Em julho de 1998, Jo Rowling terminava uma turnê de sessões de autógrafos, leituras e entrevistas para divulgar o segundo livro da série “Harry Potter”, Câmara Secreta, e cedeu ao jornal Sunday Times um pedaço de seus pensamentos num artigo intitulado “O Diário de J.K. Rowling”, publicado dia 26 de julho de 1998. Veja a tradução completa!
O Diário de J.K. Rowling: 26 de julho de 1998
Traduzido e revisado por Igor Moretto
Sociedade do Café: Pelo menos uma vez por semana vou ao Nicolsons, o café em Edimburgo onde escrevi muito do meu primeiro romance, Harry Potter e a Pedra Filosofal. O gerente e os donos são meus amigos hoje em dia – ou talvez só estejam aliviados que eu agora peça comida. Faço a maioria das minhas entrevistas no café parcialmente por gratidão por todas as vezes que eles deixaram eu ficar sentada por duas horas com o mesmo café expresso gelado.
Eu não escrevo ali muito frequentemente hoje em dia por que me sinto muito auto-consciente, mas dei uma entrevista a uma rádio há dois dias e é meio difícil responder de forma sensível às perguntas quando metade dos funcionários, sua irmã e sua filha estão rindo loucamente do outro lado do restaurante por que você parece idiota com um par de fones de ouvido na cabeça.
Sensação ‘do dia pra noite’: Nessa mesma época no ano passado uma editora americana comprou os direitos a Harry Potter e a Pedra Filosofal pelo que chamam de ‘quantia substancial’. Minha vida mudou literalmente do dia pra noite. Desliguei o telefone com meu agente, Christopher, num estado de choque avançado (acho que minha contribuição para a conversa consistia quase inteiramente das palavras ‘Quanto? Não acredito’), andei pra lá e pra cá no meu apartamento por horas num tipo de frenesi nervoso, fui pra cama as duas da manhã, e fui acordada pelo telefone logo de manhã. Não parou de tocar por uma semana. Era a história da Cinderela pra imprensa; a mãe falida e divorciada escreve em cafés enquanto sua filha dorme a seu lado, e finalmente ganha a sorte grande. Nunca achei que as pessoas se interessariam por mim pessoalmente; minhas fantasias mais selvagens eram imaginar o livro sendo publicado e o pico da realização parecia pra mim ser uma crítica num jornal de qualidade. De repente ver meu rosto sorridente saltando de meia dúzia de jornais, todos com descrições do tipo ‘mãe solteira falida Joanne Rowling’, foi uma experiência desorientadora.
Vai, vai: Acabei de voltar de uma série de sessões de autógrafo e leitura públicas em livrarias e escolas na Inglaterra e Escócia para lançar o segundo “Harry Potter”, Harry Potter e a Câmara Secreta, e tem sido uma das melhores semanas da minha vida. Conheci várias crianças que apareciam me mostrando suas próprias histórias, garotas que me passavam cartas de fãs, roxas de vergonha, garotos que ficavam olhando pro chão enquanto suas mães davam empurrõezinhos pra me dizer como gostavam do livro (‘Ele não conseguiu parar de ler, não é Daniel? Você leu seis vezes, né Daniel? Fala alguma coisa, Daniel.’) O melhor momento foi conhecer a mãe de uma criança disléxica, que me contou que Harry Potter foi o primeiro livro que o filho tinha terminado sozinho. Ela disse que chorou muito quando o encontrou lendo na cama na manhã seguinte da qual ela tinha lido os dois primeiros capítulos pra ele. Não sei se consegui expressar a ela que aquilo era maravilhoso de se ouvir, por que eu achei que eu mesma ia começar a chorar também.
Como uma ex-professora me senti felizmente irresponsável em frente a uma sala cheia de crianças sabendo que tudo que você deve fazer é entretê-las e pro inferno a disciplina. Devo dizer que nenhuma das crianças que eu vi nas últimas semanas foi tão rude quanto o par de professores que sentaram conversando durante minha leitura enquanto 60 crianças maravilhosamente comportadas ouviam cada palavra minha.
Eu queria parar e dizer bem alto, ‘Vamos esperar até que vocês tenham terminado sua conversa, pode ser?’ mas sou covarde então só li um pouco mais alto.
Queixas amargas: Sessões de autógrafo públicas atraem membros de uma raça assustadora: a do Escritor Indignado e não-Publicado. Eu fazia parte de uma subespécie mais patética (Depressiva e não-Publicada), o que torna difícil pra mim entender a mentalidade do Sr Indignado. Eu sempre achei que as editoras que negaram Harry Potter e a Pedra Filosofal o fizeram por que, em suas opiniões, não o acharam bom o suficiente. O Sr Indignado, no entanto, não é tão ingênuo assim. Ele sabe que existe um truque pra ser publicado, uma destreza que tem pouco ou nada a ver com ter escrito um livro que as pessoas possam gostar de ler. Portanto, quando ele vê que algum escritor recém-publicado vai aparecer na livraria, ele vai e demanda a fórmula mágica.
Conheci um Sr Indignado particularmente persistente essa semana. Ele veio falar comigo com um sorrisão maníaco, e começou a conversa informando que a Bloomsbury (minha editora) tinha negado seu livro. Seguiu então com uma investigação pra descobrir como eu tinha conseguido me infiltrar na lista deles que chegou perto de sugerir que eu tinha fotos incriminadoras do diretor de gerência.
Eu sei quão miserável é ouvir a chocante notícia de que seu manuscrito foi rejeitado na porta da sua casa por que acontecia comigo não muito tempo atrás, mas o único conselho que sinto qualificada o suficiente para dar a autores não-publicados é: procure por agências e editoras que combinem com você no Anuário de Escritores e Artistas e vá atrás deles.
É um conselho chato, talvez, mas funcionou pra mim. No fim o Sr Indignado desistiu de mim e foi falar com Rosamund, responsável pela promoção dos produtos infantis na Bloomsbury. Pelo que sei, ele falou pra ela que já tinha feito uma estratégia de marketing sozinho.
Ouça com a mãe: Vim pra casa depois da turnê do livro, com olheiras de cansaço e carregando presentes, e encontrei uma entusiasmada festa de boas-vindas da minha filha de quatro anos. Ela tinha ficado com seu melhor amigo, Thomas, que tem um beliche e uma extensa coleção de bonecos do Batman – não tem como competir. Na tentativa de criar alguma animação depois da última entrevista no Nicolsons, liguei o rádio naquela noite e disse a ela que estava prestes a ouvir a mamãe falando sobre o livro. Ela olhou pra mim de um jeito meio piedoso. ‘Mas eu já sei como você fala, mamãe.’
Esse texto é o primeiro de uma coleção especial de artigos escritos por J.K. Rowling e mencionados no livro “J.K. Rowling: A Bibliography 1997-2013“. O Animagos começa esse projeto de tradução e publicação com muito entusiasmo, e espera que os visitantes apreciem o conteúdo! Deixe seu comentário e feedback!