Animais Fantásticos

Os Crimes de Grindelwald: pobre Credence… – Crítica

Foto de Credence. É um plano fechado de seu rosto.
Escrito por Vinicius Ebenau

É inegável que Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald é um filme divisivo entre o fandom, a crítica e o público. Que é um filme extremamente impactante para o cânone, e que nesses últimos dias vem gerando inúmeras discussões. E, da mesma maneira, também é inegável que é um filme com problemas. Quem não gosta dele consegue enumerar diversos, enquanto quem gosta cita, humildemente, um ou dois. Eu, pessoalmente, sou da primeira turma.

Mas não estou aqui para comentar o que o filme, ao meu ver, tem de errado. Seria um texto maior do que este. Quero apenas discutir sobre o tratamento do personagem que, para mim, é o mais importante de Animais Fantásticos e Onde Habitam. O personagem que, com certeza, é (ou era) um dos mais intrigantes desta nova série. Que, infelizmente, é deixado de segundo plano nesta sequência: Credence Barebone.

Por que ele é interessante?

Quando Animais Fantásticos e Onde Habitam terminou, o único personagem sobre o qual eu quis saber mais a respeito foi Credence. Não porque eu tenha detestado as personalidades dos membros do quarteto principal, mas porque Credence, essencialmente, é o único personagem que vive um drama autêntico, no sentido teatral.

Enquanto Newt quer recapturar suas criaturas, Tina voltar a ser uma auror do MACUSA, Jacob abrir uma padaria e Queenie… bem, quer viver tranquilamente, Credence é um rapaz abusado física e psicologicamente pela mãe. É um garoto que, basicamente, vive para distribuir panfletos de um culto extremista. É um jovem que deve esconder de sua família a sua própria magia (e não tenho dúvidas de que a comparação que J.K. Rowling pensava era a de uma pessoa LGBT+ tendo que esconder quem realmente é de sua família religiosa).

Foto de Animais Fantásticos e Onde Habitam que mostra Mary Lou, Modéstia, Credence e Castidade na sala de Henry Shaw.

Credence tem cicatrizes em sua pele e sua mente. O assassinato de Henry Shaw Jr. mostra como ele está cansado de ser tratado de forma inferior por outros. O que Credence deseja é completamente compreensível e relacionável: fugir de casa e poder exercer sua bruxandade. Não ser mais considerado uma “aberração”, seja por aqueles que riem dos Segundo Salemianos ou pela própria mãe adotiva com seus preconceitos.

No entanto, Credence é o único personagem que não tem seu drama resolvido. Newt consegue recapturar seus animais, Tina volta a ser uma auror, Jacob abre sua padaria e Queenie… bem, ela se apaixona. Tudo parece estar bem para os personagens principais. Menos Credence.

Credence, ao contrário, perde tudo. Perde sua família (incluindo a única parente que parecia se importar com ele, que agora sente medo), sua casa, e a única pessoa que ele considerou como um amigo. Ele é perseguido e atacado por bruxos, e, aparentemente, encontra seu fim. Porém, ele sobrevive.

O resultado é que temos um personagem perfeitamente desenvolvido. Credence resume o que Animais Fantásticos e Onde Habitam é. O que a série representa, quando Rowling fala sobre as “bestas” que temos em nós mesmos. Não dá para ser mais claro do que isso.

Mais do que a história da Guerra Mundial Bruxa e Grindelwald vs. Dumbledore, “Animais Fantásticos” dava a impressão de que seria sobre Credence. Não sabemos aonde sua história vai levar, mas esperamos saber mais. Queremos ver o que acontece com este menino, que sofreu tanto em sua vida. E aí, chegamos a Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald.

Por que o ignoraram?

Pelo que sabíamos da história, Credence seria o fio condutor do segundo filme. Todos os personagens principais estariam em Paris, diretamente ou indiretamente, por sua causa. Existiriam aqueles que o procurariam para protegê-lo, outros para feri-lo, e uns para usá-lo como arma. Este, aparentemente, seria o principal foco do filme.

Porém, o que vemos no final é completamente diferente. Sim, os personagens estão lá para encontrá-lo, mas chega um momento em que isso não parece ser mais importante. Chega um momento que o público esquece que este era o mote do filme. Grindelwald é o que importa, e não Credence. Credence se torna um MacGuffin, algo que os protagonistas inicialmente procuram, mas que é esquecido quando chegamos ao fim.

Com o desenvolvimento da narrativa, a história de Credence é desatendida. A história de Credence, que deveria ser a trama principal, se torna o subplot B. Credence é ignorado pelo filme. Ele é tão ignorado quanto foi pela mãe adotiva, em tons irônicos.

Foto de Os Crimes de Grindelwald. Credence e Nagini investigam o apartamento de Irma Dougar.

Credence é um personagem que, para a sua aparente importância inicial, tem muito pouco tempo de tela. Quando o encontramos, o vemos com Nagini, sua parceira no circo. E Nagini, com a sua total inutilidade na trama, acaba por enfraquecer a história de Credence.

Narrativamente falando, Credence estaria melhor sozinho. Ele é um jovem sem família, sem conhecidos, sem ninguém a não ser si mesmo. Em outro país, em outro continente. Deixar Credence literalmente sozinho somente faria com que aumentasse a sua ansiedade por encontrar sua família biológica. Deixaria latente o seu desespero. Por pertencer a algum lugar, fazer verdadeiramente parte de um grupo.

O papel de Nagini para Credence é de uma companheira e conselheira, mas nunca sentimos que a sua presença é importante para ele e seus conselhos são sempre ignorados. Nagini não serve para a história do longa ou do personagem com que ela convive e, por consequência, acaba extenuando ambos.

Até que a maior revelação sobre Credence surge.

Por quê? Para quê? Para quem?

Finalmente, Credence se junta a Grindelwald e descobrimos que, aparentemente, seu nome real é Aurélio Dumbledore e ele é irmão de Alvo. Surpresa, consternação, choque.

E, então, chegamos ao desfecho de uma montanha-russa de relevância.

Credence, durante o filme, vai de um personagem intrigante, até quase que completamente esquecido, para, na última cena, voltar a se tornar interessante, mas não pelos mesmos motivos originais. No final de Animais Fantásticos e Onde Habitam, o futuro de Credence era atraente pelas possibilidades que isso atraía. No final de Os Crimes de Grindelwald, o futuro de Credence é atraente porque ele talvez seja relacionado a um personagem famoso de “Harry Potter”. É outro peso, outra medida.

O Credence do passado abusivo é esquecido para o Credence do passado importante emergir. Talvez, tomar o seu lugar.

Foto de Os Crimes de Grindelwald. Nagini coloca a mão no ombro de Credence em cima de um telhado.

Enxergamos Credence com outros olhos. Ele não é mais apenas “um garoto”. Ele mexe completamente com o cânone. Ele talvez seja um Dumbledore! Será que é verdade? Mas como, se Percival Dumbledore estava em Azkaban? Ele é um irmão ou meio-irmão, por parte de Kendra?

As perguntas que fazemos relacionadas a Credence são diferentes. Os motivos que fazem Credence especial são diferentes. E eu considero isso ruim. Porque entra em um problema maior. Porque, honestamente, não quero que “Animais Fantásticos” seja mais e mais relacionado com “Harry Potter”. Quero que “Animais Fantásticos” seja a sua própria coisa. Parafraseando a famosa citação, quero que o Credence seja… só Credence.

Os Crimes de Grindelwald tira a singularidade de “Animais Fantásticos”, fazendo com que a história se torne mais convergente com a de “Harry Potter”. Não percebem que não precisamos da aparição de todos os personagens antigos citados nos livros que estão vivos na época. Não precisamos ver o ascendente de algum bruxo ou bruxa. O que precisamos, o que queremos, é uma história bem contada.

Quem sofre com isso é “Animais Fantásticos”. É o Credence. É o fã que perde a oportunidade de poder aproveitar algo inteiramente novo, sem estar preso ao conhecido. De “Harry Potter”, a gente gosta. Eu quero gostar de “Animais Fantásticos”. Mas preciso mais do que minha disposição para isso.

Sobre o autor

Vinicius Ebenau

Vinicius aprendeu com "Harry Potter" a valiosa lição que amigos são uma das coisas mais importantes que existem... porque, sem eles, não teria pego emprestado a maioria dos livros para ler pela primeira vez. Formado em Cinema e Audiovisual, espera que a J.K. Rowling leia essa bio e dê uma chance a ele, pois faria um trabalho mil vezes melhor que o David Yates.