O The Guardian lançou uma nova sessão de seu jornal intitulada Talk to Me: A Conversation Special, na qual a primeira convidada para uma conversa com a DJ da BBC Lauren Laverne é J.K. Rowling! A conversa teve diversos assuntos, incluindo os livros de “Cormoran Strike” e, é claro, “Harry Potter”. Veja a tradução completa!
J.K. Rowling se encontra com Lauren
Lavarne: “O sucesso nunca é do
jeito que você imagina”
Traduzido por Igor Moretto
Revisado por Igor Moretto e Vinicius Ebenau
J.K. Rowling é a autora de 15 livros, incluindo os sete romances da série “Harry Potter”, Morte Súbita e, como Robert Galbraith, três romances criminais. Seu primeiro roteiro de cinema, para Animais Fantásticos e Onde Habitam, está atualmente sendo produzido; ela também está contribuindo em uma nova peça de teatro, Harry Potter and the Cursed Child, que apresenta Harry como um pai adulto com três filhos, e entra em cartaz em Londres em junho do ano que vem. Lauren Laverne foi a vocalista da Kenickie, e é apresentadora de TV e rádio, apresentando atualmente o programa Music Morning, na BBC 6. Também é a cofundadora e diretora do site the Pool.
Rowling e Laverne se encontraram em um dia acinzentado no leste de Londres, Laverne numa pausa entre seu programa de rádio e uma cerimônia de prêmios, Rowling chegando de uma viajem de táxi do oeste de Londres (ela não dirige). É a primeira vez que elas se encontram, apesar de terem conversado no Twitter, onde Rowling tem quase seis milhões de seguidores e Laverne 380.000. Rowling quis encontrar Laverne por que, como diz, “ela é inteligente, engraçada, meu tipo de mulher” (e impressionante para sua filha Jess, de 22 anos). Laverne, enquanto isso, está profundamente nos anos de Harry Potter, com seus filhos de oito e cinco anos. As duas mulheres se gostam de cara, Laverne com aquela habilidade de DJ de preencher os silêncios, enquanto Rowling – envergonhada, menos confortável em frente às câmeras – ri e fala mais alto ao passo que se igualam. Ela mostra uma foto de seu filho de 12 anos, e relembra a única sessão de fotos que realmente gostou (uma em que Annie Leibovitz tirou toda sua maquiagem e a fotografou segurando um livro queimado, “e eu amo fogo”). Elas poderiam ter ficado conversando para sempre, mas aqui está o que temos…
LL: Ok, vamos conversar. Então, aparentemente isso é parte de uma série sobre como a arte de conversar está morrendo. Não tenho certeza se somos cobaias ou…
JKR: Vamos provar que estão errados!
LL: Mas pensei em perguntar qual o tipo de conversa que você mais gosta – com quem você mais gosta de conversar?
JKR: Bom, é bem meloso, mas meu marido é com certeza meu melhor amigo. Minha irmã. Sou alguém que gosta de grupos pequenos de pessoas. Meu sonho é um pequeno grupo que eu conheço muito bem, então nós temos uma conversa intensa. Não quero brigas, mas quero conversas sobre coisas que realmente importam.
LL: Sou terrível em conversinhas bobas.
JKR: Não acho que eu conseguiria ser amiga de alguém que fosse bom em conversinhas bobas.
LL: Lembro de uma vez que tive que conversar com um parlamentar. Foi em um programa de TV noturno e eles me trouxeram uma edição do jornal do dia seguinte pra ver, e tinha uma foto de um cachorro na primeira página. E você sabe aquele jeito saudoso com que as pessoas chiques falam de animais? É uma daquelas coisas que eu nunca aprendi a fazer. Não sei nem que cara fazer. Também, qualquer conversa na qual as pessoas falam sobre qual caminho fizeram pra chegar em casa.
JKR: Bem, eu não dirijo, então sou ainda pior. Alguém me trouxe aqui, e eu sempre fico pensando em outras coisas.
LL: Minhas amigas e eu temos um grupo que se encontra de três em três meses, por que é muito difícil juntar todo mundo. Mas temos uma data trimestral na qual saímos e sentamos, e quase arregaçamos as mangas, por que precisamos falar de tudo.
JKR: Duas das minhas melhores amigas vivem em outro país, então precisamos fazer isso. Você quase tem uma agenda: precisamos passar por essas coisas.
LL: Nós definitivamente pré-discutimos o que vamos discutir. A gente diz como uma piada, mas essas são as conversas que deixam o mundo certo. Eu converso também com minha mãe sempre. Nós tivemos uma discussão esses dias sobre a menopausa. Ela me disse que não é tão ruim assim, e que quando você vai envelhecendo seus níveis de testosterona aumentam.
JKR: Você não tá nem perto da menopausa!
LL: Não, mas eu acho que ela está nos preparando.
JKR: Não sei de nada disso por que, não querendo deixar a entrevista meio triste, minha mãe morreu antes de chegar na menopausa. Tenho que forçar minhas amigas a falar sobre isso comigo.
LL: Minha mãe começou dizendo que, quanto mais velha você fica, menos merda você aguenta. E eu tenho escrito recentemente sobre chegar aos 40. Tenho 37, e quero decidir como abordá-lo.
JKR: Eu genuinamente amei fazer 40. Sabe, eu nunca fui muito boa em ser jovem. Sinto que fiquei cada vez mais feliz. Sinto que estou chegando no caminho certo.
LL: Sempre fui uma alma velha.
JKR: Consigo perceber isso em você – mas ainda acho que você foi melhor na juventude que eu.
LL: Ah, não sei. Nunca aceitamos muito bem o hedonismo sem fim, na verdade. Estou ansiosa para chegar aos meus 40, aí vou saber onde estou. Mas é uma época maravilhosa, especialmente com meus filhos.
JKR: Não vou perguntar se você pensa em ter outros, por que acho essa uma questão incrivelmente intrusiva. Mas vou dizer, eu teria mais se fosse mais jovem.
LL: Sério?
JKR: Com certeza. Mas eu tinha 39 quando tive minha mais nova, então decidi desenhar uma linha. Senti que fomos bem sortudos, tivemos três filhos maravilhosos, então parei. Mas eu nunca ia chegar a um ponto onde pensaria, nunca mais.
LL: Não consigo me imaginar nesse ponto também. Minha atitude foi sempre que a alegria disso é o desconhecido. Toda a experiência de ter filhos é sobre sua perda de controle – você não tem como escolher quem eles são.
JKR: Exatamente.
LL: Queria te perguntar sobre dar nome às coisas, por que você tem uma relação interessante com o poder dos nomes. Obviamente, tendo escrito sob pseudônimos diferentes, e tendo personagens com nomes que se encaixam tão perfeitamente.
JKR: Acho que as apostas eram de 1 em 100 que eu iria nomear meu filho Voldemort. 1 em 100! Valia a aposta. Mas você está certa, nomes são muito importantes. Escolher o nome pra Robert Galbraith foi uma coisa importante.
LL: Como você fez?
JKR: Bem, quando eu era criança queria me chamar Ella Galbraith. Então pensei em ser L.A. Galbraith, mas não queria usar iniciais.
LL: As pessoas perceberiam.
JKR: Sim, e eu realmente não pensei direito – tem também J.K. Galbraith, um economista famoso. Foi depois de escolher Robert, por causa de Robert Kennedy, que é meu herói dos heróis políticos, que pensei, parece que eu quero ser descoberta! O que estou fazendo?
LL: Não há acidentes.
JKR: Mas aí eu já tinha mandado os manuscritos para muitas editoras. E tinha uma editora pequena que queria publicá-lo, que Deus os abençoe. Mas naquele momento a Little, Brown ficou tão interessada, então… E seria um segredo muito grande para uma editora pequena manter.
LL: Pode imaginar, o dia que você entrasse?
JKR: Ficava cada vez mais problemático, mas eu tinha esse sonho que eu conseguiria lançar dois ou três livros antes de ser desmascarada.
LL: Fico pensando se o nome te deu a possibilidade de escrever como um personagem, de ser ele.
JKR: Você quer dizer escolher um pseudônimo masculino? Me sinto sem sexo nenhum quando escrevo. Gênero não influencia em nada. Mas foi uma libertação enorme, pensando, “Ninguém vai saber que sou eu.” Eu ficava animadíssima com cada carta de rejeição, você não faz ideia. Parecia tão real, era sobre a escrita. Teve uma editora que disse, “Olha, gostamos muito disso, mas acabamos de contratar um cara que está trabalhando na mesma área geográfica” – e eu fiquei encantada. Não vou dizer que fiquei tão animada quanto um autor que acabou de começar ficaria, por que não é a mesma coisa. Qualquer autor iniciante ficaria muito chateado: “Você gostou – e não vai pegar!” Eu só pensei, “Você gostou! Muito legal!” Queria que tivesse continuado por mais tempo.
LL: Mas você não teve 12 rejeições com “Harry Potter”?
JKR: Sabe, eu leio todo tipo de número e não tenho mais certeza, mas foram algumas sim.
LL: E elas machucavam mais? O que fez você continuar?
JKR: [Longa pausa] Essa pergunta é muito boa por que você sabe que eu não era muito segura naquela época. Mas eu queria tanto que não ia desistir. E acho que eu nunca senti, antes ou depois, nada parecido com o júbilo que foi saber que meu livro seria publicado.
LL: Como você descobriu?
JKR: Meu agente me ligou e… ele foi muito calmo sobre o assunto! Uma editora tinha ficado com o manuscrito por seis meses, o que obviamente me deu muita esperança, e então eles disseram não. Fiquei devastada. Então [meu agente] ligou de novo e disse, “Bem, a Bloomsbury quer” – bem casual! Sem perceber que ele tinha acabado de me dar o maior presente da minha vida. E então teve uma longa pausa, e eu disse: “Então… você quer dizer que vou ser publicada?” Perdi a cabeça.
LL: Um momento terrível para qualquer editora que tenha rejeitado.
JKR: Então, muito engraçado, a primeira editora que rejeitou “Harry” escreveu para Robert [Galbraith] a carta de rejeição mais rude. Então acho que é seguro dizer que nunca vou escrever para eles. Eles claramente não gostam de mim, de qualquer jeito que eu me apresente. [Risos]
LL: Ainda é não, OK? Se toca, Rowling!
JKR: Não queremos sua maldita poesia!
LL: Mas foi só uma questão de que você acreditava muito.
JKR: Sabe, eu posso dizer isso agora, por muito tempo fui tímida para dizer isso. Mas eu acreditava sim, com “Harry”, que a coisa mais difícil seria convencer alguém de pegá-lo, por que ele não se encaixava. As pessoas diziam que livros infantis tinham que ser metade do que o meu era em páginas, e que tópico velho, um internato. Eu tinha esse pressentimento que a coisa mais difícil seria convencer alguém de publicá-lo – mas se fosse, as pessoas gostariam.
LL: Eu me perguntava como você calculava seu sucesso. Li sua página na Wikipédia por que íamos fazer isso…
JKR: Meu Deus, você leu? Nunca li. Li a sua.
LL: Você fez muito bem, Jo.
JKR: Obrigado, Lauren.
LL: Sem dar spoilers, mas na medida em que os métodos tradicionais de medição funcionam, você é impressionante pra caralho!
JKR: [Risos]
LL: Mas a partir do momento em que você ganhou o Légion d’honneur, como você faz pra calcular?
JKR: É muito estranho que você me pergunte isso, por que quatro dias atrás eu escrevi a resposta no quarto livro de Robert Galbraith. Porque quando você encontra meu detetive no quarto livro, ele está refletindo sobre como o sucesso nunca é como você imaginava que seria. Algumas pessoas pensam que você passa o dia sentada se sentindo maravilhosa e chacoalhando suas bugigangas. Mas eu me lembro que, uma semana depois de receber meu contrato americano, que me deu muita atenção na imprensa, uma de minhas melhores amigas me ligou e disse, “Achei que você fosse soar exultante.” De fora, tenho certeza que tudo parecia maravilhoso. Mas no meu apartamento, onde eu ainda era uma mãe solteira sem saber o que fazer com meu cabelo, tudo parecia fenomenalmente esmagador. Pela primeira vez na vida eu podia comprar uma casa, o que significava segurança para mim e minha filha, mas aí pensei: “O próximo livro jamais vai superar isso.” Então transformei esse triunfo maravilhoso em uma tragédia em menos de cinco dias.
LL: Eu chamo isso de Síndrome da Casa Gigante, o que me assusta um pouco. Muitos dos meus contemporâneos fizeram coisas incríveis, e eu sinto que eu estou engatinhando, desconhecida, mas consistentemente, certo? Sou como uma estudante do ensino médio: faça seu trabalho, mantenha a cabeça abaixada. O assustador desse tipo verdadeiramente visível de sucesso é que você precisa continuar fazendo ele acontecer – e você não sabe nem como aconteceu da primeira vez.
JKR: Você fez o que sentiu ser natural, e aí te colocam numa posição que faz tudo parecer antinatural. Você tenta se reconectar com essa coisa que parecia normal há cinco minutos.
LL: É: agora faz de novo! Mas a lenda de “Harry Potter” veio pra sua mente completamente pronta.
JKR: É mais ou menos verdade. Foi como uma explosão de cores, e eu podia ver muitos detalhes sobre o mundo. É claro que o enredo dos sete livros não foram inventados de uma vez, mas a premissa básica estava ali.
LL: E quantos desses mundos você consegue manter na sua mente de uma vez só?
JKR: Acho que estou no máximo da minha capacidade agora. Tem a peça, que vai ser incrível. E eu posso dizer isso por que estou colaborando com Jack Thorne e John Tiffany na história, que tem sido muito divertido. Dei muito material a eles que eu tinha e trabalhamos juntos – mas vai ser uma experiência teatral e não tem nada a ver comigo, é tudo com o John.
LL: E o roteiro de cinema? É sua primeira vez?
JKR: Sempre soube que a Warner Bros. queria fazer alguma coisa com Animais Fantásticos e, sendo controladora como sou, achei melhor dizer-lhes que eu tinha uma ideia. Então escrevi um roteiro sem querer muito. Eu sei que isso soa incrivelmente hipócrita.
LL: Tipo o Withnail [do filme Os Desajustados] saindo de férias por engano.
JKR: Bem, como você disse, não existem acidentes. Mas eu estava fazendo aquela coisa fatal de pensar, “Bem, me pergunto como seria.” Era bem cru. Mas aqui estamos, e agora o escrevi apropriadamente. Tem sido uma curva virtualmente vertical de aprendizado.
LL: Meu fato favorito de “Harry Potter” é a universidade italiana que fez crianças lerem e depois mediu seus níveis de empatia, e descobriu que a leitura os deixaram mais empáticos.
JKR: Eu vi isso.
LL: Eu sabia que você teria visto, e eu sabia que você amaria.
JKR: É claro que amei! Quem não amaria? Eu saí com alguns amigos outro dia e um deles me disse, “O livro ainda significa tanto para essas pessoas com vinte e poucos anos!” E eu disse que entendia de verdade, por que sei o que significou pra mim ter conhecido Morrissey.
LL: Você era uma super fã de Smiths.
JKR: Muito fã de Smiths. E as pessoas que significam muita coisa pra você quando tem 16, 17 anos são as pessoas que te ajudaram a passar por momentos. Então eu com certeza entendo o porquê de alguém que se apegou a “Harry Potter” quando tinha 13 anos ainda conversar sobre qual casa de Hogwarts eles estariam com 21 anos. Não acho infantil. Não acho nem um pouco menos infantil que eu feliz em conhecer Morrissey. Eu estava com minha cunhada e ela disse, “Coloca. Sua. Mão. Pra. Baixo.” Eu estava andando depois com a mão pra frente assim [imita um cumprimento de mãos].
LL: Como um Dalek [da série Doctor Who].
JKR: Eu dizia, “Morrissey me tocou!” Ela dizia, “Eu sei, você está parecendo estúpida.” O encontrei numa situação tão bizarra, em Harvei Nichols. Estávamos nos olhando, chegando cada vez mais perto, e exatamente na mesma hora estendemos nossas mãos. O que foi demais para mim era que Morrissey sabia quem eu era. Queria voltar a mim mesmo quando tinha 16 anos, deitada no escuro com meus incensos, ouvindo “Heaven Knows I’m Miserable Now”, e dizer: “Você o conheceu! Ele sabe quem você é!”
LL: Eu queria te perguntar sobre dinheiro, por que toda vez que mulheres conversam sobre dinheiro, um anjo ganha suas asas. Queria saber o que você aprendeu sobre no decorrer dos anos, não tendo nenhum, depois muito, depois dando muito – aparentemente você caiu na lista de pessoas ricas da Forbes por que você doou muito.
JKR: Sim, eu doei. Acho que tive a experiência mais peculiar por que estive em cada nível financeiro que existe, basicamente, desde completamente pobre. Minha família nunca teve muito dinheiro, mas nunca ficamos sem. Acho que o nível que perdi, ou fiquei por umas duas semanas, foi ser classe média confortável. Passei voando por ele.
LL: O trem não vai parar, o Expresso de Hogwarts está passando!
JKR: Eu estava num momento em que pensei, “OK, se eu continuar trabalhando, vamos ficar bem, estamos seguras,” quando de repente, bang! Então pensei, “não esperava por isso,” foi como se tivesse ultrapassado a marca. Isso é uma coisa difícil de dizer para as pessoas, por que você ouve milhões rotulando você por dizer que é assustador. Mas foi assustador de verdade.
LL: Você achou que não aguentaria?
JKR: Não sabia o que fazer. Não conhecia ninguém que tinha passado por algo parecido. Uma das várias razões pelas quais quis conhecer Oprah Winfrey…
LL: [Falando para o gravador] Oprah não estava disponível hoje.
JKR: [Risos] Eu gostei muito de ser entrevistada por ela por que pudemos ter essa conversa. Ela é alguém que não cresceu rica, e de repente tinha dinheiro e ninguém para conversar – e você não vai encontrar muitas mulheres nessa posição. Ela me disse, “Você aceitou que vai sempre ser rica?” e eu com certeza não tinha. E eu disse, “Você aceitou?” e ela disse, “Sim, eu sei que eu vou ser rica para sempre.” Eu ainda não sei se aceitei. Quando eu estava grávida do meu filho, tive uma preocupação com dinheiro que era completamente irracional, e eu acho que tinha a ver com o estresse – tinha um livro pronto para sair, e um filho a caminho. Acho que foi um flashback da última vez que eu estava grávida, quando eu era pobre mesmo. Eu reconectei com o meu eu interior que entrava em pânico por achar que não seria capaz de comprar roupas para o bebê.
LL: Meu pai era acadêmico e minha mãe era professora de faculdade quando eu era pequena, eles dois vinham de famílias muito pobres – e ela não consegue ter um armário vazio, faz ela se lembrar. Meu pai não consegue jogar nada fora.
JKR: Eu realmente simpatizo com isso. Odeio não ter dinheiro comigo, e isso é definitivamente uma conexão com quando eu tinha que viver de benefícios do governo e, sabe, ver o dinheiro diminuir pela semana e rezar para não acabar.
LL: Meu pai chama isso de “andar em torno do dinheiro.” O que é interessante sobre isso é, você tem esse tema no meio de todos os seus trabalhos, de vantagens e desvantagens, e a natureza cumulativa dessas coisas.
JKR: Verdade. E é uma coisa que sinto muito fortemente. Conheci um homem alguns anos atrás que tinha crescido com muito dinheiro. E ele me disse de passagem, “Sabe, dinheiro não é a coisa mais importante.” O que é verdade, mas também profundamente ignorante. Por que quando você não tem dinheiro, é com certeza a coisa mais importante. Só alguém que nunca teve que se preocupar pode fazer uma afirmação dessas.
LL: Você acha que é a mesma coisa quanto a fama? Parece uma coisa nebulosa, mas volta para o poder dos nomes. Você dá seu nome para alguma coisa, seu apoio, e isso importa.
JKR: Sim. Eu tentei sempre apoiar coisas que importam fortemente a mim, ou que eu possa falar sobre com alguma autoridade – sou presidente da Gingerbread, a caridade dos pais solteiros, o que significa muita coisa por motivos óbvios. Pesquisas à esclerose múltipla – que é o que minha mãe teve. É difícil, no entanto, por que te pedem 10 vezes por dia. Existe uma culpa por você não ter feito tudo. Mas se você fizer, você se torna ruído branco.
LL: E sobre ser reconhecida? O meu disfarce é que todas as mulheres DJs da BBC se parecem. Então é, “Você é Jo Whiley?” Mas eu percebo que você diz “desde que ‘Harry’ ficou famoso”, e não “desde que eu fiquei famosa.”
JKR: Tive um relacionamento muito desconfortável com o conceito por um bom tempo. Minha fantasia por anos era que, um dia, eu daria meu cartão de crédito em uma loja e falariam, “Ah, você escreveu meu livro favorito!” Eu imaginava que pudesse ter uma vida quieta e privada. Nunca achei que fosse ser fotografada de maiô.
LL: E sendo uma mulher, sua cabeça está ainda mais fora d’água.
JKR: Exatamente. Mas você aprende, não?
LL: Se você não ama a fama, se você não a busca, as pessoas acham suspeito. Existe uma suposição cultural que a fama é tudo, a apoteose da conquista.
JKR: A Lisa Kudrow, do Friends, disse, “Você imagina como um abraço, mas quando acontece é mais como um assalto.” Eu me lembro da primeira vez que saí de um carro em um tapete vermelho – aquela parede de barulhos era assustadora. Eu não senti que fosse um banho quente de amor. Não que eu não me sentia incrivelmente aquecida pelas pessoas que faziam o barulho, por que eu me sentia, mas na verdade foi assustador.
LL: E se escrever é o que você gosta, te distrai.
JKR: Se você quer ser um escritor, é provável que você seja uma pessoa introvertida, que não quer particularmente se preocupar com a aparência. E a fama, na sua incarnação moderna, demanda a mentalidade oposta.
LL: Mas o Twitter pra você é obviamente muito confortável.
JKR: Você nada na sua própria mídia. O Twitter pra mim tem sido uma bênção, inclusive os trolls. Por que chegou um ponto no qual “Harry” ficou tão enorme que, em uma leitura pública, tinham 2.000 pessoas. Você não consegue responder as perguntas de todos. O Twitter me deu isso de volta. Ninguém precisa comprar ingressos. É bem democrático.
LL: Tem uma linda frase no seu website, Pottermore: “sua esquina mágica na internet.” Se você estivesse no comando, você mandaria os trolls embora?
JKR: Minha lista de pessoas bloqueadas ou mutadas não é muito grande por que tenho uma tolerância muito alta com pessoas que eu não necessariamente queria ser amiga – eu me interesso no que elas dizem. Não quero higienizar minha timeline a ponto de não ver alguns desses personagens. Vamos chamá-los de personagens. Quando você começou a tweetar?
LL: Por volta de 2009. Eu gostei muito. Por que eu tinha essa coisa, parecida com o que você tem, de ser muito amigável, mas privativa. Eu ainda acho criativo e interessante. Acho que não devia. Às vezes, acho que não me importo com as coisas que eu deveria me importar.
JKR: A vida é muito curta. É mesmo, não é? Nos seus 20 essas coisas importam muito mais, mas não sei. Eu me soltei bastante.
LL: Fico pensando se você gosta de rádio.
JKR: Eu amo rádio.
LL: Mas você seria ótima no rádio!
JKR: Bem, é minha mídia favorita.
LL: É a mídia favorita das melhores pessoas. Acho que o especial do rádio é que é super profundo mas de um jeito bem normal. Você é parte do dia a dia das pessoas do jeito certo, tem gente nascendo, crescendo, morrendo, passando por momentos difíceis, e você os acompanha.
JKR: Eu sempre escuto à Radio 3 quando estou trabalhando, por que a voz humana me distrai muito.
LL: Sim, quando estou no escritório da Pool, nosso site, eu sempre coloco Steve Reich. Inclusive, eu tenho uma coisa estranha de saber as letras de tudo depois que ouço uma vez. Quando estou entrevistando alguém, fico com suas músicas na minha cabeça. O pior foi quando filmei o especial de Natal do Ant and Dec em um barco em Newcastle. Ficamos bebendo até 7 da manhã, foi hilário e brilhante, mas todo o tempo eu estava com “Let’s Get Ready to Rhumble” na cabeça tocando várias vezes.
JKR: Essa música está na compilação de uma certa era.
LL: É muito desvalorizada.
JKR: Não é.
LL: Se as pessoas olhassem no meu iPhone, veriam que não tem nada nem remotamente cool. Nunca me importei com essas coisas.
JKR: Eu te acho muito mais cool que eu.
LL: Você tá brincando?
JKR: Você com certeza é. E isso foi divertido.
LL: Foi muito divertido.