J.K. Rowling em 2000 fez um texto para a revista TIME onde comentou sobre o processo criativo de Harry Potter e o Cálice de Fogo. Ela fala sobre a morte de Cedrico (na época um super spoiler), sobre as considerações de sua filha sobre o momento, e reflete sobre escrever cenas assustadoras. Leia a tradução completa!
Um bom susto
Traduzido por Igor Moretto
Eu conscientemente quis que o primeiro livro fosse mais gentil – Harry é bastante protegido quando entra no mundo. Desde a publicação de Pedra Filosofal tenho tido pais dizendo, “meu filho de seis anos ama o livro,” e eu sempre tive escrúpulos sobre dizer, “ah, que ótimo,” porque eu sempre sei o que vem nos outros. Então eu nunca disse que os livros são para crianças muito pequenas.
Se você escolhe escrever sobre o mal, você tem uma obrigação moral de mostrar o que isso significa. Você sabe o que aconteceu no fim do quarto livro. Eu acho chocante, mas tinha que ser assim. Não gracioso da minha parte. Nós estamos falando de alguém que é incrivelmente faminto por poder. Racista, na verdade. E o que esses tipos de pessoa fazem? Eles tratam a vida humana muito levemente. Eu quis ser exata nesse sentido.
Meu editor ficou chocado com o jeito no qual o personagem foi morto, que foi bem desconsiderado. Foi completamente de propósito. É assim que as pessoas morrem nessas situações. Foi como, “você está no meio caminho então vai morrer.” Foi a primeira vez que chorei escrevendo um livro, porque eu não queria mata-lo. Foi a parte de mim que é um artista cruel que sabe que isso tinha que acontecer pela história. O artista cruel é mais forte que a pessoa quente e felpuda.
Minha filha leu todos os livros, e eu falei pra ela sobre o fim de Cálice de Fogo, “quando você chegar no capítulo 30 a mamãe vai ler para você, tudo bem?” Porque eu pensei que teria que abraça-la e explicar algumas coisas. E quando o personagem morreu, olhei pra ela e ela parecia O.K., e ela falou, “ah, não é o Harry.” Ela pouco se importou. Eu fiquei pensando, “não é assustador de forma alguma?” Ela falou, “Se o Harry está bem eu estou bem.” Ela é bem corajosa. De algum jeito, eu acho que crianças mais novas tendem a ser mais alegres. Crianças mais velhas é que realmente entendem o que é assustador. Provavelmente porque elas já lidaram com coisas mais intensas em suas próprias vidas.
O mal é atrativo? Sim, eu acho que é. Harry viu o tipo de pessoa que se agrupa ao redor desse personagem mau. Acho que todo mundo concordaria que o valentão no playground é atrativo. Porque se você for amigo dele, você está seguro. É um padrão. Pessoas mais fracas, eu sinto, querem essa glória refletida. Tento explorar isso.
É ótimo ouvir feedback das crianças. Na maioria das vezes elas estão preocupadas com o Rony. Como se eu fosse matar o melhor amigo de Harry. O que acho interessante é que só uma pessoa me disse, “não mate a Hermione,” e isso foi depois de uma leitura pública na qual disse que ninguém se importava com ela. Outra criança disse, “é, acho que ela vai se dar bem.” Eles a veem como alguém que não é vulnerável, mas eu a vejo como alguém que tem bastante vulnerabilidade em sua personalidade. A Hermione sou eu. Uma caricatura de mim quando era criança. Não era tão inteligente. Mas era irritante em algumas ocasiões. As garotas a toleram bastante porque ela não é de um tipo estranho de garota que se sente singela e compensa imensamente isso através de trabalho duro e querendo fazer tudo certo.
Esse texto é o sexto de uma coleção especial de artigos escritos por J.K. Rowling e mencionados no livro “J.K. Rowling: A Bibliography 1997-2013”. O Animagos retoma esse projeto de tradução e publicação com muito entusiasmo, e espera que os visitantes apreciem o conteúdo! Deixe seu comentário e feedback! Outros textos já traduzidos podem ser encontrados aqui.