Imagine-se esperando seu frappuccino no balcão de um Starbucks e o barista grita o nome da pessoa recentemente citada na revista Forbes como a segunda mulher mais rica do mundo no ramo do entretenimento; a escritora contemporânea mais famosa do mundo. Você olha e percebe que aquilo não foi coincidência. Joanne Rowling está na sua frente agradecendo pelo café.
Foi isso que aconteceu em 2008 com Adeel Amini, um estudante de jornalismo da cidade de Edimburgo; e ele não perdeu tempo, pediu uma entrevista. E ela aceitou.
Pule para 2018, dez anos depois da entrevista ser publicada e, logo depois, apagada por causa do furor gerado em cima de um pequeno trecho onde a autora revela que teve pensamentos suicidas durante a época em que sofreu de depressão clínica. Amini volta à tona e, como um presente aos fãs de “Harry Potter” (ele mesmo disse isso!), republica mais uma vez sua entrevista.
Amini conseguiu o que muitos jornalistas não chegaram nem perto nesses 20 anos de entrevistas incessantes e participações completamente desinteressantes em programas de TV. Ele abriu o coração de J.K. Rowling e descobriu a força e a fraqueza de uma mulher que se ergueu do nada apenas com papel e caneta.
[…] em retrospecto, vejo que eu tinha características de depressão que iam e vinham de vez em quando. E então, no meio dos meus 20 anos, as circunstâncias da minha vida eram muito ruins e eu despenquei. O mais triste disso, de certo modo, é que o que me fez procurar ajuda, o que me fez encarar o fato de que aquilo não era normal, foi provavelmente minha filha. […] ela era um marco, de certa forma, ela era uma coisa que me enraizava, me aterrava, e eu pensei ‘isso não está certo, não pode estar certo. Ela não pode crescer comigo nesse estado.’
São trechos como este que tornaram a entrevista de Amini uma das entrevistas mais importantes para entender aquela que escreveu nossos livros favoritos. Aquela que a gente chamava de “rainha”, “deusa”, etc.
Segundo o Google, vulnerabilidade é “a qualidade de se expor à possibilidade de ser atacado ou machucado”, e, aos olhos da filosofia, trata-se de uma das características mais importantes para a geração da empatia. E se a autora em anos recentes parece ter construído uma barreira a sua volta, deixando a vulnerabilidade exclusiva para suas interações pessoais, é porque ela aprendeu com a dor dos ataques e machucados.
Consigo lidar com críticas negativas. Ninguém gosta de críticas negativas, mas críticas úteis fazem você aprender. […] Para ser sincera, [as críticas] fundamentalistas cristãs foram ruins. Ficaria feliz em sentar e debater com alguns dos críticos que falam de ‘Harry Potter’ de um ponto de vista moral. Mas minha editora americana disse, e acho que com razão, que eu nunca, em milhões de anos, conseguiria persuadi-los. É um exercício sobre futilidade…
Só que hoje, com o distanciamento do público e a vulnerabilidade engolida, Rowling se vê atacada e julgada por coisas que não disse e opiniões que não deu. Sua posição vulnerável durante a publicação de “Harry Potter” vinha do fato de tudo aquilo ser parte de suas interações pessoais. Muito menos que hoje, as obras vinham de Rowling para nós. Sem intermédio. Sem telefone sem fio.
Na época, era recente um assunto que em 2018 voltou aos olhos dos leitores e da mídia: a homossexualidade de Alvo Dumbledore. Amini conseguiu, mais do que a própria autora, expor pontos importantes para uma discussão que levaria 10 anos para começar.
Sempre imaginei Dumbledore sendo gay, mas de certa forma isso não era importante. O livro não era sobre Dumbledore ser gay. […] Eu sempre soube que ele tinha um grande segredo, mas seu grande segredo era que ele havia flertado com as mesmas ideias de Voldemort. Havia flertado com a ideia de dominação racial. Que ele ia subjugar os trouxas.
O que Rowling tenta dizer aqui – e pode ser bem difícil de entender, e bem fácil de distorcer -, é que o que causou seu flerte com ideias de segregação foi o amor. E ela insiste na ideia de que o amor é o que foi crucial para a virada da personalidade do personagem. O amor que independe do gênero.
Ele é um bom homem. O que obrigaria ele a fazer essas coisas? Eu nem pensei muito sobre isso, parece que apareceu para mim. Eu pensei, ‘eu sei o porquê. Ele se apaixonou.’ […] O problema é o amor, não o sexo. […] E o que é relevante é que ele se apaixonou. E esse grande defensor do amor que ele foi durante toda sua vida, foi feito de idiota pelo amor. Ele perdeu seu senso de moral completamente quando se apaixonou, e, subsequentemente, se tornou muito desconfiado de seu próprio julgamento. Então ele se tornou assexual.
Amini, nesse momento, se revela. Ele diz que nunca leu os livros de “Harry Potter”. Rowling o chama de falso. E nesse tom cômico, acaba o encontro e a entrevista que traria de volta a 2018 a imagem da mulher que nos apaixonou, que nos fez perder o senso de moral e que, subsequentemente, nos fez desconfiar de nosso próprio julgamento.
De alguma forma, a rainha Rowling ainda existe, e está sendo escondida e ocultada por alguns outros peões. Basta a gente desconfiar com empatia e, talvez algum dia, vamos chegar a um equilíbrio que possa fazer com que enxerguemos a rainha por seus méritos e derrapadas, sem maquiavelismo, fundamentalismo e idolatria.
Você pode ler a entrevista completa (ainda somente em inglês) na próxima página ou aqui.