Como anunciado anteriormente, J.K. Rowling apareceu hoje (24) pela manhã no programa CBS News Sunday Morning, da CBS, em uma entrevista inédita sobre Harry Potter e a Criança Amaldiçoada.
Com estreia já marcada na Broadway, a peça chega aos Estados Unidos com parte do elenco original e a mesma equipe técnica responsável pelo sucesso londrino. John Tiffany volta na direção, e a versão final do roteiro de Jack Thorne será mantida. Os dois, juntos de J.K. Rowling, participaram de uma entrevista para falar sobre o assunto. Quando perguntada sobre o porquê de aceitar fazer a peça, a autora disse:
Se estou sendo honesta, foi a perspectiva de trabalhar com esses rapazes [John Tiffany e Jack Thorne]. Porque Sonia [Friedman] e Colin [Callender], nossos produtores, estavam me oferecendo a chance de trabalhar com duas pessoas que eu julgava extraordinárias. E senti confiança, após nosso primeira reunião, de que poderíamos fazer algo realmente especial.
Repercussão
Nas indas e vindas da entrevista, Rowling falou sobre a repercussão que esperava, dando uma cutucada “marota” no fandom, que há anos pede que ela escreva sobre assuntos que ela não acha que mereçam uma história.
Claro que haveria pessoas que não gostariam do que estávamos fazendo, ficariam chateadas. Quando você tem um fandom como o de “Harry Potter”, eles são apaixonados, e é uma coisa linda, linda. […] Bem, eu sei que nunca vou satisfazer. Eu sei, verdadeiramente, eu sei muito bem, que meu tempo nessa Terra é limitado. Não tenho nenhum interesse em fazer certas coisas que eu sei que seria muito popular com o fandom. E eu acho que o fandom assistindo isso saberá exatamente o que quero dizer, porque eles sabem o que eles continuam me pedindo. Mas não há nada para mim criativamente, mesmo sabendo que sei que todos comprariam.
Questionada se os fãs acatariam qualquer coisa que ela escrevesse, ela completou:
Apenas porque pessoas querem muito não significa que elas devem ter tudo que elas querem. Nós apenas daremos o que for bom para elas. E nós decidimos que [a peça] era bom.
A questão de um milhão de dólares
Enquanto o fandom briga para decidir se a peça é ou não é canon (já falamos também sobre isso), fica claro que o conceito de canon se deturpa grandemente quando se fala em obras conjuntas, como é o caso. A autora explicou um pouco sobre qual foi o envolvimento de cada um dos três (Tiffany, Rowling e Thorne) na criação do enredo.
O desenvolvimento da história, eu acho, foi muito colaborativo entre nós três. Eu, por razões óbvias, tinha poder de veto sobre tudo. Eu poderia dizer: “Não, isso não aconteceu”. Mas não, foram nós três. Mas a peça é a peça de Jack. Jack fez a escrita. Jack fez o pesado. E ele fez isso lindamente. E eu não poderia estar mais feliz.
Tudo voltou a ficar bem
Com Criança Amaldiçoada, veio a confirmação do que a autora vinha dizendo desde o lançamento de Relíquias da Morte: “nunca diga nunca”, mas dessa vez Rowling deixa claro que a história de Harry acabou, e que o nunca, aparentemente, chegou.
É isso. Harry não vai mais aparecer em nenhuma outra peça. É isso. Criança Amaldiçoada é tudo. Não poderia me sentir mais feliz com isso. Não teria como duplicar. Nada se compararia.
Ficou curioso para ler a entrevista completa? Você pode lê-la na íntegra abaixo, junto com a matéria exibida contendo partes da conversa.
J.K. Rowling e a equipe criativa por trás de Criança Amaldiçoada
Entrevista por Mark Phillips
Tradução e revisão de Renato Delgado e Vinicius Ebenau
MARK PHILLIPS: Deve parecer uma vida completamente diferente. Ou não? [sobre a entrevista que fizeram em 1999]
J.K. ROWLING: Sim e não. Eu me lembro de nós no trem, isso parece que foi há seis meses. Mas então quando saio disso, e penso mais sobre o que aconteceu desde aquilo, sabe, na minha vida pessoal também, de repente eu percebo: “Não, eu criei mais dois seres humanos nesse tempo”.
MARK PHILLIPS: E, o quê? Mais quatro livros?
J.K. ROWLING: É. Bem, quatro, cinco, seis, sete, oito livros. Colaborei em uma peça de teatro e escrevi dois roteiros. É. Então quando você olha para isso, você pensa: “É, definitivamente não se passaram seis meses”.
MARK PHILLIPS: Estou tentado a começar com uma pergunta meio boba: o que tanto a agradou na ideia de ganhar milhões de libras levando “Harry Potter” para os palcos?
J.K. ROWLING: Michael Jackson quis que eu fosse ao [rancho] Neverland para conversar sobre um musical de “Harry Potter”. E eu não queria fazer isso. É, eu genuinamente não queria que Harry fosse aos palcos. Eu não queria um musical. Eu achava que tinha terminado.
MARK PHILLIPS: Com “Harry”?
J.K. ROWLING: Acho que eu sentia que, se eu estivesse realmente inspirada, eu com certeza voltaria para aquele mundo. Eu sempre falei: “Nunca diga nunca”, porque eu sabia que a Warner Bros. queria fazer algo com “Animais Fantásticos”, e eu de fato me sentia atraída a isso.
Mas, sabe, eu não tinha pressa alguma. E a verdade é que foi só quando a [produtora de teatro] Sonia Friedman veio falar comigo sobre a possibilidade de fazer algo no palco que eu comecei a pensar: “Certo, o que você está propondo é algo pelo qual eu poderia ficar criativamente empolgada”. Porque, respondendo a sua pergunta igualmente de forma direta, todos sabemos que não preciso do dinheiro. A vida é curta demais. Só quero fazer coisas que gosto de fazer, ou que acho que são boas ou que valham a pena serem feitas.
MARK PHILLIPS: Mas com a exceção de Michael Jackson, especificamente a respeito da ideia de levar ao teatro – todos sabemos que [a história] surgiu na sua cabeça completamente formada e se tornou os livros e isso… não?
J.K. ROWLING: Não. As pessoas exageram um pouco sobre isso. Eu também falei que seria um pouco exagerado dizer que toda a série de sete livros veio completamente formada na minha mente. A premissa de um garoto que não sabia que era um bruxo e ia a uma escola de magia, isso veio na minha mente e em sua complitude, sim.
MARK PHILLIPS: Certo. E também é sabido que você havia escrito o último capítulo antes dos outros.
J.K. ROWLING: É, eu escrevi esse capítulo com antecedência, sim.
MARK PHILLIPS: Mas que perspectivas você esperava com o teatro? Ficou atraída apenas pelo desafio em fazer essas ideias funcionarem ao vivo em vez de na imaginação ou com a ajuda dos [efeitos especiais dos] filmes?
J.K. ROWLING: Se estou sendo honesta, foi a perspectiva de trabalhar com esses rapazes. Porque Sonia e Colin [Callender], nossos produtores, estavam me oferecendo a chance de trabalhar com duas pessoas que eu julgava extraordinárias. E senti confiança, após nosso primeira reunião, de que poderíamos fazer algo realmente especial.
Agora, pode ser que eu estivesse enganada. Ainda nos divertimos muito fazendo isso, porque acabamos nos tornando bons amigos e é incrível criar laços de amizade em um processo criativo como este. Mas, surpreendentemente, nós três trabalhamos muito, muito bem juntos, e acho que produzimos algo do qual temos muito orgulho.
MARK PHILLIPS: Foi a ideia de continuar com a história? Sei que não podemos falar sobre a trama, então não falaremos, mas a ideia de continuar a história, gerações a frente, foi isso que lhe atraiu? Isso é parte do desafio que você sentiu intelectualmente?
J.K. ROWLING: Bom, já disse publicamente que o personagem pelo qual eu estava mais interessada em me aprofundar era Alvo Dumbledore (sic). E ele certamente era o personagem sobre o qual eu mais pensava. O filho que, claramente, vemos no último capítulo da série, vai para Hogwarts com uma sensação de peso pela história de sua família. Esse foi nosso ponto inicial, sim.
Nós gostaríamos de proteger o máximo do trabalho cênico que podemos, porque nós queremos que o público [de Nova York] tenha as experiências que muitas pessoas em Londres tiveram e tem. Então é por isso que não queremos falar muito.
MARK PHILLIPS: Certo. Prometemos sigilo apenas até certo grau, sei que estamos sentados aqui sob pena de excomunhão se falarmos sobre a trama, mas o que podem nos dizer? É a continuação do final do último livro?
JACK THORNE: Eu não vou responder essa. (RISOS)
JOHN TIFFANY: A primeira cena da nossa peça é o último capítulo de Relíquias da Morte, então vemos Harry, Gina e Alvo – o filho do meio de Harry – em King’s Cross, assim como Rony e Hermione e a filha deles, Rosa. E, como no último capítulo, os Malfoy também estão por perto, não estão? E eles estão mandando Alvo e Rosa para o primeiro dia deles em Hogwarts.
Tiago é o irmão mais velho, o primeiro filho de Harry e Gina. Ele já está em Hogwarts. Mas nós vemos Alvo. Alvo, sendo o personagem, como Jo dizia antes, pelo qual ela estava mais interessada, porque ele se chama Alvo Severo. Ele foi nomeado em homenagem a Alvo Dumbledore e Severo Snape, dois dos personagens mais amados dos livros.
JACK THORNE: E os mais complicados.
J.K. ROWLING: E os mais odiados, também. É.
JOHN TIFFANY: Enquanto Tiago, como que carregando o nome do avô, passou seus anos em Hogwarts sem grandes preocupações, Alvo já não terá uma jornada tão fácil. Então, é basicamente isso. Essa é a primeira cena. Depois, saltamos quatro anos no tempo e o vemos de novo no começo do quarto ano.
E é a partir daí que a história realmente começa a acontecer e tomar forma e as coisas ficam muito complicadas, muito rapidamente.
MARK PHILLIPS: Os feitiços podem acontecer nos filmes. Podem acontecer nos livros. Mas reproduzir feitiços no palco é “outra história”, como dizem.
JOHN TIFFANY: É, quero dizer, eu fui abordado por Sonia e Colin, e eles me disseram que estavam se encontrando com Jo, e Jo tinha dado a eles permissão para continuar com a ideia de trazer Harry aos palcos e explorar o Harry adulto, e especificamente olhando o que acontece com uma pessoa que teve a infância que Harry teve, e como ele então se tornou um pai.
Quero dizer, adorei os livros e os filmes e era grande fã de Jo, e havia lido eles para meus afilhados e meus sobrinhos e vi o poder absoluto que eles tinham para transportar as crianças e dar a elas um senso de pertencimento, de várias formas. E, além disso, eu havia começado minha carreira em Edimburgo, que é onde Jo estava na época.
J.K. ROWLING: E nós nos conhecemos.
MARK PHILLIPS: Vocês se conheceram na época?
JOHN TIFFANY: Eu era um diretor assistente na Traverse Theatre, é.
J.K. ROWLING: Que tinha um ótimo café em que eu costumava escrever. E ele estava lá. E quando nos conhecemos formalmente para fazer esse projeto e explorar se faríamos esse projeto, eu achava que ele me parecia bastante familiar. E, quem diria, nos conhecemos anos atrás em Edimburgo. Isso foi, é, antes da publicação.
JOHN TIFFANY: É, Jo estava lá com seu carrinho de bebê, bebendo um cappuccino.
MARK PHILLIPS: Você não sabia que ela seria J.K. naquele ponto.
JOHN TIFFANY: Não, foi apenas um ano depois.
J.K. ROWLING: Não, mas ele foi bem gentil comigo. Me deixava sentar lá por horas bebendo café.
JOHN TIFFANY: É, você sempre perguntava: “Você se importa se eu me sentar aqui?” E eu dizia: “De maneira alguma”. Você só escrevia. E então um ano depois, Pedra Filosofal saiu. E então ela não apareceu muito mais para beber café depois disso. Você não aparecia mais em lugar algum, não é?
J.K. ROWLING: Bem, eu ainda ia a cafés até começar a ser perseguida.
JOHN TIFFANY: Então quando fui abordado por Sonia e Colin, eu pensei: “Uau, essa é uma grande tarefa, de uma maneira. É tão amado”. E também, aquele mundo foi tão lindamente explorado nos filmes, visualmente. Mas, ao mesmo tempo, havia uma pequena coisa na minha cabeça, eu estava muito, muito, muito empolgado com a perspectiva de como nós usaríamos o teatro para contar essas histórias.
Que uma história de capas e malas e truques de mão potencialmente poderia ficar muito bem nos palcos, eu esperava. E eu sabia que, se avançássemos com isso, uma grande parte do nosso público seria de pessoas que estariam indo ao teatro pela primeira vez, e essa era uma oportunidade para mostrar-lhes o teatro.
MARK PHILLIPS: Mas que parte daquela expectativa também era assustadora? Eu acharia que seria. Porque aqueles crianças teriam assistido aos filmes, onde os truques de mão e as execuções dos feitiços e os voos e tudo mais foram retratados muito vividamente.
J.K. ROWLING: Eu tinha fé total de que John poderia fazer algo incrível. Mas acho que, neste momento da minha vida, não consigo ver o sentido em fazer algo que não é um pouco assustador. Sabe, seria muito fácil apenas fazer o mesmo – pessoas gostam, apenas continue fazendo o mesmo até pararem de gostar. E eu só estou realmente interessada em fazer coisas que considero satisfatórias ou emocionantes ou desafiadoras. As expectativas sempre vão ser muito altas agora.
MARK PHILLIPS: Você mesma está aumentando as expectativas, é o que você está dizendo.
J.K. ROWLING: Bem, existem riscos relacionados a isso. Mas então você não obtém a satisfação criativa, a menos que tenha assumido um risco. Claro que haveria pessoas que não gostariam do que estávamos fazendo, ficariam chateadas. Quando você tem um fandom como o de “Harry Potter”, eles são apaixonados, e é uma coisa linda, linda.
Com isso, vêm altas expectativas, e às vezes as pessoas não gostam do que você vai fazer. Não consigo dizer o quanto adorei fazer isto. Adorei do início ao fim. E tenho muito orgulho do que John acabou de dizer sobre levar pessoas que nunca tinham ido ao teatro para ver “Potter”. Sabemos que 60% do nosso público nunca tinha ido a uma peça antes. E também sabemos que 15% vão começar a ir para outras. Quisemos dizer a pessoas jovens, em particular: “Isto não é coisa de outro mundo”. Nós três fomos educados em escola pública. Não viemos de famílias que costumavam ir ao teatro. E sentimos, apaixonadamente, que esta seria uma forma de levar o que normalmente é percebido como um espaço de elite, o teatro… como se vestir, como se comportar? Teatro ao vivo é meio assustador… E abrir para todos. Fizemos com essa crença, não foi?
JOHN THORNE: Principalmente, sim.
MARK PHILLIPS: Quantos essa peça comporta? 1.200 pessoas ou algo do tipo. Comparando ao aspecto de massa que os livros e os filmes têm, este é um espaço pequeno e um alvo pequeno. Isso teve algum papel na conversão das ideias em uma peça de teatro?
JOHN TIFFANY: Bem, sabe, isso é o que o teatro é. O teatro é um grupo de pessoas que se sentam e assistem a uma história contada por atores. Nós sabíamos que haveria uma grande demanda por ingressos, por causa do fandom de “Potter”. Mas nós sabíamos também que, se tivesse sucesso, nós rapidamente iriamos pensar em trazer essa peça para outros países, conforme estamos agora conversando a respeito de trazê-la para a Broadway, o que nos deixa muito empolgados, não é?
J.K. ROWLING: Estamos mesmo.
JOHN TIFFANY: Ao passo que pensávamos em ideias para a peça e que nós três começávamos a conversar que história Criança Amaldiçoada iria contar, ficou claro para mim que iríamos fazer algo deveras único, já que pegaríamos um grupo de personagens que o público havia visto ao longo de sete livros e oito filmes e iríamos contar uma nova história com a participação desses personagens. Então foi uma grande honra, não foi? Receber o público das primeiras apresentações, vê-los chegando, conhecendo esses personagens, mas não sabendo o que iria acontecer com eles. E os suspiros! É exatamente por isso que resolvi fazer teatro e me tornar um diretor de teatro… você quer que as pessoas suspirem e sussurrem e que fiquem unidas como uma só plateia assistindo à história. E isso tem sido uma alegria.
J.K. ROWLING: Não, é incrivel.
MARK PHILLIPS: Mas você temia que eles poderiam não gostar?
J.K. ROWLING: É claro. Meu Deus. É claro. Eu não acho que qualquer tipo de pessoa criativa viva não entenderia como todos nós sentimos naquela primeira prévia. Eu acho que nós três, vocês concordam? Sentimos que tínhamos feito o melhor que pudemos. Estávamos orgulhosos disso. Achamos que fizemos um bom trabalho. Mas, você sabe, somos três de nós.
E há algo sobre o teatro, porque é uma experiência visceral. E eu estava sentada lá em um camarote para ver uma dessas prévias. E a atmosfera era…
JACK THORNE: Absurda.
J.K. ROWLING: Não era?
MARK PHILLIPS: Mas o peso da expectativa, eu teria pensado que…
J.K. ROWLING: Sim, exatamente. É o peso da expectativa. Você sabe que as pessoas estão entrando com muitas ideias pré-concebidas. Você conhece aquela franqueza, algumas pessoas estão pensando: “Talvez eles tenham feito de qualquer jeito. Talvez eles estejam apenas tentando tirar um pouco mais da franquia”. E nós sabíamos que era algo muito novo e diferente. Mas a prova é quando o público vê isso.
E, sinceramente, acho que sentimos da mesma forma sobre ir a Broadway. Não vamos a Broadway pensando: “Ah, vai ser super tranquilo”. Vamos a Broadway pensando: “Certo, bem, vamos ver como isso vai ser”. Você não sabe de verdade. Não há nenhuma certeza. Não há nenhuma garantia. É Broadway, sabe? Imagino que sentimos um medo saudável.
MARK PHILLIPS: Alguma vez houve um ponto em que você sentiu que sua audiência, seu público se rebelou contra o que você estava fazendo?
J.K. ROWLING: Deus, sim.
MARK PHILLIPS: Houve?
J.K. ROWLING. Qual é. Essa é a era das mídias sociais. Você acha que não falam para mim sem qualquer pudor que eu fiz algo que eles não queriam com algum personagem, ou perguntam porque raios eu estou levando a série ao teatro? Não, acredite em mim, na era das mídias sociais, ninguém se ilude com o fato de que algumas pessoas não estão felizes, esperam por não estarem felizes. É assim que é.
MARK PHILLIPS: Você se preocupa com o que o público diz?
J.K. ROWLING: Se eu me preocupo? Sabe, vou ser bastante honesta. Sim, eu me preocupo. E não, eu não me preocupo.
Então, sim, me preocupo. É claro que me preocupo. Para mim, sempre me volto aos leitores. Então o fato de que as pessoas amam os livros e os filmes, e que essas histórias significam tanto para tanta gente, isso é tudo para mim. Nenhum escritor vai discordar. Tenho um amor e um respeito gigantesco por essas pessoas. Esqueça o lado material: eles me deram uma sensação de pertencimento, na verdade, e propósito que eu não sei se tinha antes. Porque, no final das contas, eu podia contar uma história. É só isso que eu queria fazer na vida. E eles, e o entusiasmo deles, me deram isso. Então, sim, me preocupo extremamente.
No lado de “não, eu não me preocupo”, eu acho que, como escritor ou qualquer tipo de pessoa criativa, você realmente precisa manter sua visão. E, finalmente, você tem que poder olhar no espelho e perguntar: “Eu fiz isso pelos motivos corretos? Eu fiz o meu melhor? Estou feliz com o resultado?”
MARK PHILLIPS: Porque você tinha medo de apenas satisfazer?
J.K. ROWLING: Bem, eu sei que nunca vou satisfazer. Eu sei, verdadeiramente, eu sei muito bem, que meu tempo nessa Terra é limitado. Não tenho nenhum interesse em fazer certas coisas que eu sei que seria muito popular com o fandom. E eu acho que o fandom assistindo isso saberá exatamente o que quero dizer, porque eles sabem o que eles continuam me pedindo. Mas não há nada para mim criativamente, mesmo sabendo que sei que todos comprariam.
MARK PHILLIPS: Posso perguntar o que…
J.K. ROWLING: Eu não vou responder isso.
MARK PHILLIPS: … eles estão pedindo? Vamos.
J.K. ROWLING: Eu não vou responder isso. Eu não vou responder isso. Não, não vou responder. Porque o feed do meu Twitter seria um inferno (RISOS) por três meses se eu respondesse, então não vou responder. Mas há certas coisas que sei que poderia escrever, e iria simplesmente vender milhões. Tem que me deixar empolgada, e não me empolga. Então, sim. Eu me preocupo? Sim, apaixonadamente, e, não, porque eu tenho que fazer o que me motiva.
MARK PHILLIPS: Os mecanismos de escrever “Potter” para o teatro são diferentes dos livros ou dos roteiros?
JACK THORNE: Sim. E apenas em relação à sua pergunta anterior, sou fã dos livros. Muito fã dos livros. E eu me consideraria um potterhead. E em termos da pergunta que você não está respondendo sobre o que os fãs gostariam…
J.K. ROWLING: Sh. Sh. Não diga, não diga…
JACK THORNE: Sabe, tem uma parte de mim que diz: “Ah, por favor”.
J.K. ROWLING: Ah, por favor, não.
JACK THORNE: E isso deixou ainda mais terrível a partir da minha perspectiva, porque se você é a pessoa que é vista para arruinar “Harry Potter”, então o auto-ódio é esmagador. Mas em termos do mecanismo de escrever para o palco, sim, até certo ponto. Eu trabalhei com John diversas vezes. E nossa maneira de trabalhar sempre foi: “Vamos escrever e vamos tentar”.
Então não escrevi pensando: “Certo, estou limitado a um teatro”. Escrevi pensando: “Não estou limitado porque John Tiffany e [o diretor de movimento] Steven Hoggett estão me esperando no fim desta jornada. E se eu escrever magia no roteiro, eles tentarão encontrar uma forma de fazer isso funcionar”. Acho que você só tem uma regra.
MARK PHILLIPS: E qual era essa regra?
JOHN TIFFANY: Um certo jogo que aparece em “Harry Potter”. Eu disse: “Não vou fazer isso”.
J.K. ROWLING: “Não vou fazer isso”. Eu estava tranquila com você não fazendo isso.
MARK PHILLIPS: Não vão fazer as crianças voarem? Tudo bem.
JOHN TIFFANY: É, você ficou muito aliviada, eu me lembro.
J.K. ROWLING: Fiquei aliviada de verdade.
MARK PHILLIPS: Fiquei um pouco aliviado por isso não acontecer.
JACK THORNE: Mas, além disso, não tive barreiras. E há, obviamente, maneiras diferentes de escrever peças para escrever roteiros em termos de duração das cenas e de todo tipo de coisas chatas assim. Mas acho que estávamos determinados, desde o início, a não ser limitados pelo fato de que este é o nosso espaço.
E só o que John falava ao longo de tudo isso era: “Os filmes têm efeitos especiais. Temos a imaginação coletiva do nosso público. Então se podemos criar algo que os leva nesta jornada, eles nos acompanharão”. E essa é a coisa mais empolgante. Sabe, há algumas semanas estava assistindo à peça. Apenas me sentei na plateia sozinho, e essa experiência de sentar ao lado de duas pessoas desconhecidas por todo esse tempo e embarcar nessa jornada gigantesca com eles, acho emocionante e sempre empolgante e tremenda, na verdade.
MARK PHILLIPS: Eu ia perguntar sobre como a narrativa coletiva surge. Mas não por enquanto. Você disse: “Por todo esse tempo”. É muito tempo.
JACK THORNE: Sim. Você passa o dia conosco. E isso é meio maravilhoso.
MARK PHILLIPS: Alguém disse que parece um final de semana em miniatura.
JACK THORNE: E ocorreu porque trabalhamos nesse arquivo em conjunto, que eu escrevi, que foi nosso pensamento coletivo sobre o que essa história deveria ser. E nos sentamos ao fim disso e dissemos: “Está muito longo”. E as coisas lindas sobre os livros é que você gasta tanto tempo com eles fazendo coisas normais, como o papel que comida desempenha nesses livros; você compartilha esses banquetes com eles por todo o caminho.
E podíamos ter corrido e tentado apertar o máximo possível da trama em uma experiência teatral de duas horas e meia. Mas não faria justiça à história que queríamos contar, e não faria justiça à “Harry Potter”. E não teria nos dado nenhuma chance de passar tempo com os personagens e passar tempo com onde eles estão e por que eles estão lá.
MARK PHILLIPS: Mas é possível dar a fãs de “Potter” demais? Ou eles vão acatar qualquer coisa que você der a eles… por que parar em duas apresentações? Poderia ser uma semana inteira.
J.K. ROWLING: Apenas porque – ela disse como uma mãe – apenas porque pessoas querem muito não significa que elas devem ter tudo que elas querem. Nós apenas daremos o que for bom para elas. E nós decidimos que isso era bom. E, é, você está absolutamente certo.
MARK PHILLIPS: Só depois de terminarem o que está no prato.
J.K. ROWLING: Exatamente. É. É muito. É muito tempo para pedir particularmente para um público jovem ficar sentado. E estou muito, muito, muito orgulhosa de dizer que todos eles voltaram para a segunda parte parecendo entusiasmados e empolgados.
JOHN TIFFANY: Quando tivemos a ideia sobre como a primeria metade iria terminar, que obviamente não vamos contar, meio que ficou claro o que isso estava nos dizendo. “Isto vai ser mais longo do que duas horas e meia. Isto vai ser uma história de duas partes”. E, sabe, tive experiências incríveis no teatro em que você extrapola o que as pessoas acham que é um tempo apropriado. E entramos tanto na história e a plateia pareceu adorar isso. Ninguém nos disse que é longo demais.
E livros, eles contam suas histórias através de um número X de páginas. Mas o teatro realmente precisa muito mais para contar uma história semelhante. Então, sabíamos que teríamos que espalhá-lo por mais tempo. E Sonia Friedman e Colin Callender, nossos produtores, foram incrivelmente encorajadores disso. Mesmo que dificultasse o trabalho deles em vender a peça em duas partes…
J.K. ROWLING: Sim, logisticamente foi difícil.
JOHN TIFFANY: Bem, em termos de bilheteria.
JACK THORNE: E tivemos que ensaiar duas peças. Então tudo levou tempo dobrado.
MARK PHILLIPS: As ideias para os livros vieram de você. As ideias para os filmes vieram dos livros. [A peça] estende a história para o futuro. Quem fez isso? Qual dos três teve mais responsabilidade pela progressão da narrativa?
J.K. ROWLING: O desenvolvimento da história, eu acho, foi muito colaborativo entre nós três. Eu, por razões óbvias, tinha poder de veto sobre tudo. Eu poderia dizer: “Não, isso não aconteceu”. Mas não, foram nós três. Mas a peça é a peça de Jack. Jack fez a escrita. Jack fez o pesado. E ele fez isso lindamente. E eu não poderia estar mais feliz.
MARK PHILLIPS: Mas você manteve seu poder, como fez com os filmes, poder de veto porque você sente que ainda é dona do personagem Harry Potter.
J.K. ROWLING: Não era realmente uma questão de propriedade. Eu sei que isso vai parecer muito estranho. Eu sei que está certo quando tenho uma sensação de: “Ah, sim, é claro, isso aconteceu”. E quando nós três estávamos tendo ideias, um desses rapazes diria: “Bem, e se…” E eu teria esse sentimento: “Ah, sim, é claro, é isso o que aconteceu”. Eu só sabia.
E às vezes eu que diria: “Acho que isto aconteceu”. E, sem ficar surpresa pelas minhas próprias ideias, definitivamente pensei que elas tinham mesmo acontecido. Mas, com frequência, nos sentamos lá e tentávamos refinar algo e um deles diria, e eu sabia: “É, foi isso que aconteceu”. Parecia uma escavação, que é como eu sei que estou no caminho certo, quando sinto que estou realmente descobrindo uma história que já está lá.
MARK PHILLIPS: Que é o que você sempre disse sobre esta história.
J.K. ROWLING: Exatamente. E eu tive exatamente a mesma experiência. Foi uma das experiências mais alegres da minha vida, trabalhar com esses dois. Eu absolutamente amei, do começo ao fim.
MARK PHILLIPS: Só porque você podia dividir o peso? Ou porque é um relacionamento?
J.K. ROWLING: Nem mesmo isso, porque, sabe, estou escrevendo roteiros agora e, obviamente, esse é um processo muito mais colaborativo do que a escrita de um livro. Mas havia algo muito especial sobre estar neste espaço, em um teatro e trabalhar juntos. E você falou, Jack, sobre a atuação de Paul Thornley como Rony.
JACK THORNE: Isso.
J.K. ROWLING: E você disse que sentiu que ele ajudou parcialmente a escrever esse personagem para você.
JACK THORNE: Com certeza. Passamos seis meses em uma sala com um grupo de atores e essa é uma das coisas mais bonitas sobre o teatro, que você pode passar tempo com as pessoas que estão fazendo acontecer. Então, quando se está criando estes trabalhos, todos contribuem. Christine Jones, nossa designer. Steven, o coreógrafo. Sabe, todos têm papel em como esta história foi contada.
Eu sempre digo, John e Steven e eu fizemos outra coisa juntos, e a coisa irritante sobre isso foi que minhas cenas favoritas eram sempre as partes que Steven fez, não as partes que fiz. E há um momento, na segunda metade da primeira parte – posso dizer como é chamado? Ou isso estraga algo?
MARK PHILLIPS: Vocês vão ter que resolver isso entre vocês.
JOHN TIFFANY: Você pode descrever sobre o que é.
JACK THORNE: Tá, é sobre os dois garotos, e eles estão passando por dificuldades internas, e são dificuldades sobre onde eles estão no relacionamento deles.
MARK PHILLIPS: Certo. Então podemos dizer que eles brigam.
JACK THORNE: Sim. E isso é bonito, chamamos de dança na escada. E eu escrevi textos para essa sequência, e eu acho que foi na metade do processo de ensaio, acho que você me disse: “Steven contou essa história muito melhor do que você conseguiria. Então, podemos tirar algumas palavras aqui”. E, novamente, é o meu momento favorito na peça. Então, Steven fez isso comigo de novo, em termos de apenas roubar. Então eu sento lá sempre ansioso por seus momentos, ao invés de esperar pelos meus. O que é amável, mas triste.
JOHN TIFFANY: Mas foi incrível o quanto já estava plantado em “19 Anos Depois”, que é o último capítulo de Relíquias da Morte. E acabamos de passar por essa data, que é o 1º de setembro de 2017, o que é ótimo. Fizemos uma comemoração tremenda no teatro. Normalmente baixamos o preço de 40 dos melhores assentos toda semana. E isto foi uma sexta-feira… tivemos 400, então havia 400 pessoas lá, muitas vestidas com o uniforme de Hogwarts.
MARK PHILLIPS: Então agora estamos na história…
J.K. ROWLING: Sim, exatamente. Mas foi uma noite brilhante quando as pessoas realmente estavam assistindo a ação acontecer no dia em que realmente aconteceu.
MARK PHILLIPS: Tudo isso chegou a estado de culto?
JOHN THORNE: O que é um culto?
MARK PHILLIPS: Foi além da literatura infantil, ou até da literatura… na tarde e na noite em que estive lá, a plateia estava em um estado de quase, eu diria, êxtase silencioso durante isto. Houve muito poucas explosões ao longo da peça, como eu teria previsto. A plateia se senta e assiste como se estivesse ouvindo um sermão ou esperando respostas às perguntas que têm ou algo do tipo. Ultrapassou a literatura e chegou a uma congregação cultural mais extensa, de alguma forma?
J.K. ROWLING: Eu acho que quando encontro pessoas que têm 20 anos, sabe, elas realmente cresceram com os livros. É essa geração a quem os livros significam algo mais do que histórias. Isso é definitivamente verdade. E eu sei disso porque eu as conheço e conversamos. É um privilégio, um privilégio absoluto. Sou grata e fico surpresa e me emociona as histórias que as pessoas me contam: “Isso me ajudou durante o divórcio dos meus pais”. Ou doença. “Fiquei na cama por seis meses. Eu escutei todos os audiolivros”.
E é uma época turbulenta na sua vida. As pessoas se tornaram muito conectadas a “Potter” ao longo de suas adolescências. Elas viveram essas histórias em uma época em que Harry, Rony e Hermione estavam passando pela adolescência. E eu simpatizo com isso. Apesar de que acho que as coisas que importam para você nesta época sempre estarão entre as coisas que importam mais para você; é essa época da vida. Elas marcam você. Fazem parte de você. Tive essa experiência com algumas coisas e pessoas na minha adolescência, então entendo isso. Acho que vem daí.
MARK PHILLIPS: Mas as pessoas que vêm ao teatro aqui [no West End], ou que você esperam que vão ao teatro na Broadway, são as mesmas? Ou são os filhos das mesmas pessoas?
J.K. ROWLING: Ambos. Eu me sento em um camarote, há um camarote lá em cima que nunca é vendido ao público, porque você pode ver atrás do cenário e ver como as coisas estão sendo feitas.
MARK PHILLIPS: Ver os truques.
J.K. ROWLING: Então não importa se me sento lá, porque eu sei como tudo é feito, de qualquer jeito. Já vi a peça umas dez vezes e sempre me sento lá. E tenho uma vista incrível da plateia. E vejo famílias inteiras. Às vezes dá para ver quais cresceram com os livros, não dá? Então existem as pessoas de 20 e poucos anos lá, mas também há as criancinhas e seus avôs, que podem ter lido pela primeira vez quando leram para os netos. E isso é a coisa mais linda de ser vista.
MARK PHILLIPS: Mas os livros mantiveram seu fascínio nas novas gerações? Tenho filhos que passaram pela primeira onda de “potterfilos” e ainda estão nela. As crianças com idade dos que leram os livros quando foram lançados estão lendo agora também?
J.K. ROWLING: Obviamente não posso falar por todo mundo. Sei que está acontecendo, porque, mais uma vez, me encontro com pessoas que me dizem isso. Então acho que a geração Potter certamente quer ler esses livros para seus próprios filhos. Isso está acontecendo muito.
JACK THORNE: Meu sobrinho tem 10 anos, e ele tem uma obsessão por “Harry Potter”.
MARK PHILLIPS: Bem, a questão é… imagino que eles tenham passado no teste do tempo. Certamente foram um fenômeno cultural ao longo das sete ondas que passaram.
J.K. ROWLING: Foram. E esse tempo não volta mais. É claro que não vai voltar, porque tivemos as estreias dos livros e dos filmes. E se tornou algo enorme que era às vezes, para a criadora, uma experiência bem desconfortável.
MARK PHILLIPS: Como?
J.K. ROWLING: Porque foi devastador. Porque foi louco. Eu ficava pensando: “Certo, é isso. Agora é o fim. Atingimos o ponto máximo”. E aí ficava ainda maior.
MARK PHILLIPS: Mesmo ao longo da publicação dos sete livros, você pensou: “Isto não pode continuar, é maluquice”?
J.K. ROWLING: Sim, pensei. Nada te prepara para estar no meio desse tipo de situação. Não há nenhum manual de treinamento que lhe explica como é. E autores de livros infantis não costumam passar por isso. Não estava esperando isso.
MARK PHILLIPS: Era isso que eu ia levantar, porque…
J.K. ROWLING: E, escute, não quero soar ingrata, só avisando.
MARK PHILLIPS: Não é como se estivesse dizendo que é algo ruim.
J.K. ROWLING: Não estou sentada aqui reclamando, de forma alguma. Que problema incrível de se ter! Mas estou sendo muito sincera. Em alguns momentos foi bastante devastador.
MARK PHILLIPS: Mas também, você não previa. Eu me lembro daquele dia em que conversamos depois do terceiro livro em que você estava dizendo que todo escritor infantil que você conhecia tinha outro trabalho para sustentar seu hábito. E eu acredito que você estava em um momento em que não precisava de outro…
J.K. ROWLING: Quando conversamos em 1999, eu ainda dava aulas no ano anterior. Sim. Eu dei aula até 1998. E neste ano, eu pensei: “Provavelmente posso me dar ao luxo de tirar um ano”. Não porque eu realmente podia me dar ao luxo para isso, mas porque, pelo andar da carruagem, eu tinha condições de manter a hipoteca. Sim.
MARK PHILLIPS: Porque você estava ganhando dinheiro suficiente nessa época.
J.K. ROWLING: Bem, não era nem isso. Eu pensei: “Posso me dar ao luxo de tirar um ano e ver se eu consigo continuar pagando a hipoteca. Mas não quero dizer para mim mesma que ficarei de folga por mais de um ano”, porque caso contrário você começa a não conseguir pegar os trabalhos como professora de volta. Eu não podia me dar ao luxo de estar fora do jogo por muito tempo, sabe?
MARK PHILLIPS: É, você não queria sair do seu emprego certo.
J.K. ROWLING: E eu tinha uma filha para sustentar, sim. Se eu estivesse sozinha, eu teria passado fome em um sótão com prazer.
JACK THORNE: Como essa mudança afetou a escrita dos livros? Porque se você está trabalhando durante o dia… Quero dizer, tenho muitos amigos escritores e conversamos sobre isso sempre. Se você tem uma estrutura para seu dia, que é: “Trabalho e então tenho, tipo, duas horas de escrita”, isso não mudou incrivelmente? E a pressão em si mesma quando você não tem algo para fazer no seu dia pode ser enorme, não é?
J.K. ROWLING: Deus, não, eu amo.
JACK THORNE: Certo, OK. Então a sensação foi de liberdade?
J.K. ROWLING: Completamente.
JACK THORNE: Certo, certo.
J.K. ROWLING: Em 1998, eu era professora substituta. Então eu estava dando aulas todos os dias.
JACK THORNE: Certo, OK.
J.K. ROWLING: E então, quando decidi: “Está bem, vou parar por um tempinho e ver como vai ser, mas não posso me dar ao luxo de estar fora da carreira de professora por muito tempo”, nunca tive problema com apenas preencher o dia com a escrita. Era como gás; vai expandir para preencher o espaço disponível.
MARK PHILLIPS: Houve um momento em que você percebeu que sua vida era diferente do que você achava que ela seria? “Há cavalos puxando esta carruagem e não tenho mais controle total sobre ela”?
J.K. ROWLING: Acho que minha vida toda foi assim, na verdade! (RISOS) Não acredito que eu tenha tido algum momento em que me senti completamente sob controle. Sim, com “Potter”, provavelmente houve, mais ou menos na época em que nos falamos. E as duas coisas não estão conectadas.
MARK PHILLIPS: Não?
J.K. ROWLING: Então, por volta de 1999, acho que estava começando a cair a ficha de que aquilo não ia acabar. E, mais uma vez, pareço muito ingrata. Não queria que os livros fracassassem. Eu estava feliz por agora poder trabalhar em tempo integral. Curiosamente, Prisioneiro de Azkaban foi um dos mais divertidos de escrever porque não havia muita pressão sobre mim. Ainda não tínhamos rios de dinheiro, mas eu sabia que podia pagar as contas. Eu sabia que não tinha que voltar a dar aula tão cedo e tínhamos conseguido comprar nossa casa própria, que era bastante modesta, no meio de Edimburgo, mas era nossa. E eu nunca tinha tido casa própria antes. Então, na época de Azkaban, eu me lembro de pensar: “Certo, certo, vamos parar. Analisar. Está tudo bem. Conseguimos dar conta disso”. E então tudo ficou uma loucura, porque, depois, os filmes começaram. E Cálice de Fogo, eu me lembro de ter sido absolutamente insano. Por volta de 2000, tudo ficou em um nível maior e mais louco.
MARK PHILLIPS: Foi nesse momento em que as crianças começaram a passar madrugadas nas filas para comprarem os livros?
J.K. ROWLING: Fizeram um pouco disso com Azkaban, mas ainda não tinha ficado insano. Então acho que foi por volta de 2000 em que definitivamente senti: “Não esperava por isso. Agora isso ficou maluco”.
MARK PHILLIPS: Quero dizer, muita coisa aconteceu na sua vida, é claro, desde esse dia, em um nível pessoal. Porque isso se tornou tão grande, você teve dificuldade com o equilíbrio em algum momento? Ou a independência que o sucesso lhe proporcionou permitiu que você fosse mais você mesma ao longo da última metade de “Potter”, em termos das publicações?
J.K. ROWLING: Isto está nos levando diretamente de volta ao território da peça. (RISOS) Porque isto é Harry Potter discutindo com…
MARK PHILLIPS: Você se tornou seu personagem? (RISOS)
J.K. ROWLING: Bem, ele está passando por algumas coisas do tipo “lutando com o passado”.
JACK THORNE: Uma de nossas perguntas no começo de todo o processo foi: “Como seria ser o filho de Nelson Mandela?”
J.K. ROWLING: Bem, e meus filhos definitivamente não se sentem como os filhos de Nelson Mandela. (RISOS) Vamos esclarecer isso! Só quero deixar registrado.
MARK PHILLIPS: Um filho de uma pessoa famosa ou algo do tipo?
JACK THORNE: Bem, não apenas uma pessoa famosa, mas alguém que salvou o mundo, que é diferente de apenas ser famoso. Então, Harry é visto como um salvador, então ser o filho dessa pessoa e tentar, a seu próprio modo, ter uma existência no mundo.
J.K. ROWLING: Acho que, pessoalmente, me sinto bem livre. Gosto de fazer coisas que me assustam. Sinto que, por um tempo, me escondi disso, de certa forma. E agora apenas quero ser eu, e quero fazer coisas que quero fazer. Harry, de algumas maneiras, é a imagem negativa disso. Ele nunca pôde se esconder. E, na nossa peça, nós o vemos tentando encontrar seu próprio espaço.
MARK PHILLIPS: Então é difícil falar a respeito quando não se pode falar a respeito. (RISOS)
J.K. ROWLING: Bem, mas podemos falar sobre os temas.
MARK PHILLIPS: Certo. Um dos temas foi, e mais uma vez, relembrando aquela nossa conversa, você disse: “Nunca houve uma criança que olhou para seus pais e pensou ‘Como acabei tendo esses pais?'”
J.K. ROWLING: Certo.
MARK PHILLIPS: E também há um pouco disso aqui?
J.K. ROWLING: Ah, Deus. Muito. Isso é o ponto central. Jack escreveu uma fala brilhante em que dizia: “Pensamos que ser pai é a tarefa mais difícil, mas esquecemos que crescer é a tarefa mais difícil”. E durante a escrita da peça, Jack se tornou pai pela primeira vez. (RISOS) Ainda acreditamos nisso, Jack?
JACK THORNE: Eu não sei. (RISOS)
J.K. ROWLING: Acho que foi uma fala tão genial, porque acredito que tenha muita verdade nela. E parte da razão pela qual a criação é difícil é o que você se lembra e o que você se esqueceu sobre crescer.
JACK THORNE: E passo minha vida toda, agora, paralisado pensando em como vai ser quando ele tiver 15 anos. Porque eu fui um jovem de 15 anos muito ruim. Então estou cuidando para que ele precise lidar comigo. (RISOS)
J.K. ROWLING: Isso é tão a peça.
JACK THORNE: Exato, exato. Mas, sabe, a essência da peça se resume a: “Como alguém que não teve um pai aprende a ser um pai?”
JOHN TIFFANY: Ou pais.
JACK THORNE: Sim. Sim. Isso.
JOHN TIFFANY: Sim, e uma das experiências adoráveis tem sido conhecer o público e as pessoas que estão descobrindo o trabalho de Jo pela primeira vez e o mundo de Harry, e aqueles que tinham 11 anos quando o primeiro livro foi lançado meio que viveram todo esses anos com Harry, Rony e Hermione. E é uma verdadeira honra. Quero dizer, não conheço nenhuma criança de 11 anos, não importa seu grau de felicidade, que não ache que está vivendo uma vida errada e está esperando que uma coruja chegue dizendo: “Sentimos muito. Você está vivendo errado. (RISOS) Você precisa mesmo ir a esta escola na Escócia aprender a ser um bruxo” e então você vai e acha sua comunidade, acha seu povo.
O que percebi é que as pessoas se apegam a esses personagens e a esse mundo e se tornam parte de suas vidas emotivas.
J.K. ROWLING: Sim.
JOHN TIFFANY: E é uma forma que eles usam para se virar, e não quero dizer que eles estão em depressão ou infelizes com suas famílias, etc. É só que crescer é muito, muito difícil. E pudemos levar esses personagens à vida adulta.
J.K. ROWLING: Sim.
JOHN TIFFANY: E então ver uma plateia vir e experimentar isso tem sido uma grande alegria. E não podemos esperar para a próxima jornada disso, que é levar a peça a Nova York.
MARK PHILLIPS: E a jornada vai além disso? Esse é o fim?
J.K. ROWLING: Não vai ter… Digo, (RISOS) não. É isso. Harry não vai mais aparecer em nenhuma outra peça. É isso. Criança Amaldiçoada é tudo. Não poderia me sentir mais feliz com isso. Não teria como duplicar. Nada se compararia. Se ninguém mais amar a peça depois disso, nós amamos, não é? Nós amamos. (RISOS)
MARK PHILLIPS: Vocês se divertiram?
J.K. ROWLING: Muito, sim.
MARK PHILLIPS: Mas este não é o começo de toda uma nova história?
J.K. ROWLING: A história de Harry agora acabou. Acabou. Eu precisei que me persuadissem para fazer o “19 Anos Depois” e estou feliz por terem feito isso, porque tenho orgulho desta peça. Mas não, não veremos o filho de Alvo indo para Hogwarts. Bem, pelo menos não enquanto eu estiver viva. (RISOS) Em 100 anos, voltarei para assombrar a pessoa que fizer isso.
Mas se formos bem vindos, adoraríamos levar [a peça] a muitos locais, porque sabemos que há pessoas em lugares muito afastados que estão dizendo: “Não posso chegar lá. Não posso ir a Londres”. Então adoraríamos mostrar ao maior número possível de pessoas, sim.
MARK PHILLIPS: Você disse que não consegue viver sem o desafio? Você não está interessada a não ser que haja um desafio?
J.K. ROWLING: Sim.
MARK PHILLIPS: E você fez outras coisas desde “Harry”? Quero falar sobre isso rapidamente, se puder. Há uma ironia interessante em sua carreira, todos sabem que você escolheu ser conhecida por suas iniciais para que não pensassem que você fosse uma mulher no começo?
J.K. ROWLING: Bem, eu disse que essa era uma preferência do meu editor. E eu estava feliz em ser publicada, podiam até me chamar de Prince. (RISOS) Digo, eles podiam ter me chamado do que quisessem e eu teria dito: “Sim. Tanto faz, só publiquem logo o livro”.
MARK PHILLIPS: E quem sabe que efeito mudando o nome ou usando as iniciais…
J.K. ROWLING: Bem, pensando em retrospecto, não acho que tenha feito qualquer diferença, porque após três meses da publicação, ganhei um prêmio e apareci nos jornais. E a partir daí, não acho que ninguém que eu conhecia me dizia: “Pensava que você fosse um homem”. Então, tanto faz. Mas não me importo. Eu até curto ser J.K.
MARK PHILLIPS: Certo, mas ultimamente você escreveu como homem?
J.K. ROWLING: Escrevi. Escrevia. Escrevo.
MARK PHILLIPS: Então, o que diz sobre isso?
J.K. ROWLING: Bem, com os livros de Robert Galbraith, eu queria voltar ao início, e eu tinha uma ideia para uma série, mesmo tendo dito que nunca mais faria séries. Então, isso foi uma mentira sacana. (RISOS) Mas sempre quis escrever livros de detetive. E eu queria voltar ao início, queria enviar manuscritos que não haviam sido solicitados, e queria receber um retorno sincero, e queria passar por todo o processo de novo, então o fiz.
MARK PHILLIPS: Por quê?
J.K. ROWLING: Sabe, porque não sou idiota. Estou ciente de que eu poderia escrever uma história de detetive terrível e as pessoas provavelmente diriam: “Bem, sabe, provavelmente vai vender umas cópias porque tem seu nome na capa” e não é isso que eu queria fazer. Eu queria realmente “merecer”. Então, sim. Foi isso que fiz. E foi ótimo.
MARK PHILLIPS: Não foi como se você tivesse dúvidas sobre se você sabia escrever? Acredito que tenham falado sobre isso?
J.K. ROWLING: É, mas é um gênero diferente, não é? Você é arrogante se presume que, porque sabe fazer uma coisa, sabe fazer tudo. E eu não sou assim. Eu amo escrever os livros de “Strike”, e então o fiz. Consegui uma proposta de alguém que não sabia que era eu.
E, para falar a verdade, tivemos algumas pessoas interessadas nele. E a BBC queria me conhecer, sem saber que era eu. Eles queriam conhecer “Robert”, o que foi fabuloso, só que eu não podia ir ao encontro (RISOS) porque claramente eu não era “Robert”. Então, as coisas começaram a complicar quando minha máscara caiu.
MARK PHILLIPS: Mas também há a história de que o livro estava vendendo bem e então quando ficaram sabendo que tinha sido você, bum!, decolou?
J.K. ROWLING: É claro.
MARK PHILLIPS: Pensando no futuro, a dúvida é: se você não vai mais escrever sobre “Potter”, aonde Jo vai agora?
J.K. ROWLING: Bem, definitivamente tenho mais livros de “Strike” na cabeça. Tenho outro livro infantil que vai ser lançado em algum momento. Pretendo continuar a escrever os roteiros [de “Animais Fantásticos”], porque estou adorando isso. E tenho mais algumas outras ideias, então, sim. Tenho muito a fazer.