Com a chegada da peça Harry Potter e a Criança Amaldiçoada à Austrália, o diretor John Tiffany teve a oportunidade de conversar com o jornal The Guardian sobre algumas polêmicas que envolvem a peça, entre elas o queerbaiting.
O que é queerbaiting?
O queerbaiting é uma estratégia midiática utilizada na indústria do entretenimento para atrair o público que foge do padrão da cis-heteronormatividade. Ele se concretiza quando há alguma espécie de tensão sexual ou romântica entre personagens do mesmo gênero, tendo o intuito de tornar a produção representativa, mas sem desagradar a parcela conservadora da audiência.
Ou seja, quem é LGBT+ entende o subtexto, que pode estar tanto na narrativa da obra quanto em material promocional, mas ao mesmo tempo é velado para não causar estranhamento no público cis-heteronormativo.
Falamos sobre isso num episódio do HQ da Vida, dos nossos amigos Danilo e Sidney (ouça aqui), que também participaram de um dos episódios do nosso podcast que teve um tema semelhante. Ouça-o aqui.
O que disse o diretor
John Tiffany, o diretor de Harry Potter e a Criança Amaldiçoada, ao tentar defender a peça das acusações, acabou nos dando uma ótima ilustração do problema. Sobre deixar explícita a relação romântica de Alvo e Escórpio, ele disse:
Não seria apropriado. Não dizemos como Escórpio seguirá sua vida; é uma história de amor entre Alvo e Escórpio, de diversas formas, mas não significa que é sexual. Suponho que toda a coisa do queerbaiting é gente dizendo ‘quero mais representatividade’ e ‘quero representação explícita’. Mas isso se tornaria a estória.
Opinião
O que Tiffany não consegue entender, ou finge não entender, é que a frase “não dizemos como Escórpio seguirá sua vida” perpetua a esperança de uma história que não vai ser contada ao público geral, mas que agrada a quem procura pela narrativa homoafetiva nas lacunas do roteiro da peça. E isso é a definição de queerbaiting. Obrigado por exemplificar o problema, John!
Mais um problema na fala do diretor se destaca quando ele diz que a história de amor “não é sexual”, como se a exploração da hipotética homossexualidade dos garotos tornasse necessária uma narrativa erótica, carnal ou libertina. É estranho fugir de uma narrativa homoafetiva para evitar a “sexualização” dos meninos e, ao mesmo tempo, ter na peça momentos de flerte entre personagens heterossexuais. O que torna a homossexualidade “sexual”, e não faz o mesmo com a heterossexualidade?
E já que o diretor teve que “supor” o que o discurso contra o queerbaiting quer, vou tentar explicar novamente: não tem nada a ver com representatividade. É, sim, um resultado da falta dela. É uma tática narrativa que cobre personagens com um manto de representatividade que não é enxergado pelo público geral, que é quem deveria enxergá-lo. Não queremos representatividade só por nós. Queremos ser vistos pelos outros também.