Este artigo teve a coautoria de Larissa Andrioli.
Em Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore, no momento em que a Ministra da Magia brasileira, Vicência Santos, é anunciada como nova Chefe Suprema da Confederação Internacional dos Bruxos, há uma cena que levou o público brasileiro ao delírio: vemos a comunidade bruxa brasileira celebrar no palacete do Parque Lage, no Rio de Janeiro, com o Corcovado ao fundo. Você conhece o cenário?
Hoje sede da EAV (Escola de Artes Visuais), a história do Parque Lage remonta ao século XVI, quando o Governador do Rio de Janeiro Antonio Salema, dono da propriedade, construiu ali um engenho de açúcar. Naquela época, as terras do engenho se estendiam até as margens da lagoa Rodrigo de Freitas, conhecida como Sacopenapã (lagoa de raízes chatas, em Tupi-Guarani).
Com o passar dos anos, a área que hoje faz parte do parque passou para as mãos do empresário Antônio Martins Lage e começou a ser chamada de “Parque dos Lage”, ainda que pouco depois tenha sido comprada pelo Dr. César de Sá Rabello, em 1913. Já em 1920, a família Lage volta a ser proprietária do lugar e então começam as reformas que vão erguer o palacete visto em Os Segredos de Dumbledore.
O herdeiro Henrique Lage começou uma remodelação liderada pelo arquiteto italiano Mario Vodret como um presente à sua mulher, a cantora lírica italiana Gabriela Besanzoni. Foi construído o casarão principal, com um claustro de onde é possível avistar o Corcovado (à época ainda sem o Cristo Redentor), e uma piscina. A arquitetura do prédio é imponente, com elementos clássicos, e o contraste entre a construção e a natureza em volta cria uma visão encantadora. O detalhe da piscina no centro do pátio, sempre com águas muito azuis, também chama a atenção.
Um dos marcos da história do prédio é a fundação, em 1936, da Sociedade do Teatro Lírico Brasileiro, feita por Gabriela Besanzoni. A partir de então, a esposa do herdeiro começou a dar enormes festas que ficaram famosas pela presença da elite carioca.
Durante os anos 50, no entanto, Henrique Lage se endividou com o Banco do Brasil e acabou entregando o terreno como pagamento, e finalmente, em 1957, o parque foi tombado como patrimônio paisagístico, ambiental e cultural pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), abrindo a mansão à EAV. Hoje, o local é aberto para visitação e conta com exposições desenvolvidas tanto pelos alunos da instituição como de artistas externos, além de cursos abertos ao público que buscam conectar a produção artística com as comunidades ao redor.
A escolha do Parque Lage também tem sua importância dentro da própria história do audiovisual brasileiro: além de ter figurado em clipes de artistas como Snoop Dogg e Black Eyed Peas, ele foi cenário de filmes marcantes, como Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha, e Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade. Os Segredos de Dumbledore se junta, portanto, a um grupo de peso que já ocupou esse espaço icônico do Rio de Janeiro.
Faz sentido pensar que, na época em que se passa Os Segredos de Dumbledore, no início da década de 1930, o palacete fosse usado pelos bruxos, já que era (supostamente) uma propriedade privada. Talvez seja ali o Ministério da Magia brasileiro e a família Lage esteja de alguma forma envolvida com a história da bruxaria no Brasil!
A recepção do público brasileiro à aparição do Parque Lage nas sessões a que tivemos acesso foi ensurdecedora e isso gera, em um primeiro momento, uma decepção: como sabemos, a primeira versão do roteiro do filme tinha cenas no Brasil, e é muito provável que J.K. Rowling tenha escrito uma backstory interessante sobre a magia por aqui, principalmente no Rio de Janeiro. É impossível não imaginar como seria incrível ver tudo isso na tela. Mas também criamos algumas expectativas: temos ainda dois filmes pela frente e talvez tudo seja revelado nos futuros longas ou em publicações extra-oficiais, ainda mais considerando que, no fim das contas, demos ao mundo a nova Chefe Suprema.