Nossa quinta tradução dos textos históricos de J.K. Rowling é uma posição dada pela autora a um programa da BBC 4 em 2000. Nele, ela comenta sobre os seus livros e autores favoritos. Fato interessante: todas são mulheres. Um pouco mais da personalidade da pessoa que mudou o mundo com “Harry Potter” traduzido aqui no Animagos!
De Sr Darcy a Harry Potter…
por meio de Lolita
Traduzido por Igor Moretto
Eu era uma menina baixinha de óculos que vivia na maioria do meu tempo em livros e sonhos. Eu costumava sair das nuvens de vez em para criar jogos, atormentar minha irmã quando ela não brincava, e desenhar – mas na maioria do tempo eu lia e, desde muito cedo, escrevia minhas próprias histórias. Sempre tivemos muitos livros em casa, porque minha mãe era apaixonada por leitura.
Sempre achei muito difícil selecionar meus livros favoritos; a lista muda diariamente. Tem sido um exercício revelador. Olhando para minha lista, percebo que todas as histórias que eu escolhi são sobre o amor de alguma forma: romântico, paterno, perverso, não correspondido, frustrado, autodestrutivo… Outra coisa que percebo é que três das minhas escolhas contêm famílias grandes ou são sobre membros de famílias grandes.
A ideia de famílias grandes sempre me atraiu, até mesmo quando era criança; talvez eu quisesse mais irmãos para encher o saco, ou me esconder em algum canto para sonhar sem que me percebessem tão facilmente. Devorei biografias dos Kennedy e dos Mitford por anos, e um dos meus melhores amigos é o mais velho de 12 irmãos, então eu sei muito bem que uma turma grande não vem sem seus problemas. Enfim, os livros de “Harry Potter” foram minha chance de criar minha própria família grande ideal, e meu herói nunca está mais feliz que quando junto dos sete Weasleys.
O primeiro dos livros da minha lista é a famosa história dos seis filhos de Bastable, que saem para restabelecer as “fortunas perdidas” de sua casa: Os Caçadores de Tesouros de Edith Nesbit. Acho que me identifico com E. Nesbit mais do que com qualquer outro autor. Ela disse que, por alguma sorte, ela se lembrava exatamente como pensava e sentia quando criança, e eu acho que dá pra usar esse livro como evidência número 1 para provar que quem não se lembra como pensava quando criança não deve escrever livros infantis. Nesbit criou histórias infantis rápidas e convencionais para poder manter financeiramente sua família por 20 anos antes de escrever Os Caçadores de Tesouros aos 40 anos.
É a voz de Oswald, o narrador, que faz com que o romance seja tão espetacular. Amo suas tentativas de parecer humilde enquanto explode de orgulho de sua ingenuidade e integridade, sua mistura de composição e inocência, sua seriedade e conselhos sobre escrever livros. De acordo com Oswald, o melhor jeito de terminar um capítulo é dizendo: “Mas isso é para outra história.” Ele diz ter roubado a ideia de outro autor chamado Kipling.
O pano de fundo do segundo livro que escolhi é a fuga da pobreza, apesar desse não ser um favorito de minha infância, mas um romance que li pela primeira vez no ano passado: I Capture the Castle [sem tradução para o Português], de Dodie Smith. Fiz uma turnê na América no outono passado e depois de uma sessão gigantesca de autógrafos uma amiga vendedora de livros me deu uma cópia e disse que achava que eu o amaria. Ela estava certíssima. O livro se tornou imediatamente um dos meus favoritos de todos os tempos, e eu fiquei muito irritada por ninguém ter me falado dele antes.
De novo, é a voz do narrador, nesse caso Cassandra Mortmain, 17 anos, que transforma uma velha história numa obra-prima. Cassandra, sua irmã mais velha Rose e seu irmão mais novo Thomas vivem na pobreza ainda mais miserável que a de Bastables, num castelo em ruínas. Seu pai, o autor de um romance experimental muito famoso, desde então não escreveu mais nada, e fica sozinho numa torre quase todo o tempo lendo romances criminais da biblioteca da vila.
A presença estranha do deprimido e apático Mortmain paira no castelo, mas são as mulheres que dominam o livro. Cassandra, inteligente e perceptiva, conta a história através de seu diário; a insatisfeita e amuada Rose, bela, mas sem o cérebro de Cassandra, acha que sua única fuga é se casar com um homem rico; e a imortal Topaz, a madrasta jovem e maravilhosa, uma hippy antes de seu tempo, que gosta de dançar pelada, fazer comida e tocar alaúde.
A grande questão que você mais ouve como autor é: “De onde você tirou suas ideias?” Acho super frustrante porque, pessoalmente falando, eu não tenho a menor ideia de onde minhas ideias vêm, ou como minha imaginação funciona. Fico feliz que funcione assim, porque me dá entretenimento e passo isso para os outros.
Minha autora favorita de todos os tempos é Jane Austen. Eu sou uma péssima companhia para assistir alguma adaptação de TV ou cinema de alguma obra de Jane Austen porque eu odeio ver atores grandes e rosados interpretando o Sr Woodhouse – ou Sr Darcy dando um mergulho gratuitamente porque ele aparentemente não é sexy o suficiente sem uma camisa molhada. Minha atitude para com Jane Austen pode ser resumida por aquela maravilhosa frase de Em Busca da Felicidade: “Uma das desvantagens da educação quase universal era que todo tipo de pessoa se familiarizava com o livro favorito de alguém. Fazia a gente ficar curioso; como ver um estranho bêbado usando nossa roupa.”
Eu reli os livros de Austen em loop – acabei de começar Mansfield Park [o filme brasileiro foi traduzido para Palácio das Ilusões] de novo. Poderia escolher inúmeros livros dela, mas eu finalmente decidi por Emma, que é o mistério mais bem escrito que já li, e tem o mérito de ter a heroína que me irrita muito por ser tão parecida comigo. Eu devo ter lido ele umas vinte vezes, sempre pensando em como posso não ter percebido o fato óbvio de que Frank Churchill e Jane Fairfax são noivos o tempo todo, e eu nunca fiz nenhum final surpreendente em Harry Potter sem saber que eu nunca vou poder, e nunca farei, tão bem quanto Austen fez em Emma.
Esse texto é o quinto de uma coleção especial de artigos escritos por J.K. Rowling e mencionados no livro “J.K. Rowling: A Bibliography 1997-2013”. O Animagos retoma esse projeto de tradução e publicação com muito entusiasmo, e espera que os visitantes apreciem o conteúdo! Deixe seu comentário e feedback! Outros textos já traduzidos podem ser encontrados aqui.