ATENÇÃO: nesta resenha não há informações que estragam a experiência de assistir ao filme (spoilers), mas podem criar expectativas ou enviesar suas impressões. Siga com cautela.
Em 2013, a Warner Bros. Pictures e J.K. Rowling anunciaram os planos para transformar a história por trás do livrinho Animais Fantásticos e Onde Habitam em uma série de três filmes. O estúdio detinha os direitos de adaptação do material e queria fazer um mocumentário estrelado por Newt Scamander (autor fictício do livro), mas Rowling decidiu utilizar a oportunidade para contar, entre outras coisas, a história do conflito contra o bruxo das trevas Gerardo Grindelwald.
Foram três anos de produção, e em 2016 chegou aos cinemas o primeiro filme da franquia, já a esse ponto anunciada como uma pentalogia (cinco filmes). Trazendo aspectos já famosos de “Harry Potter” e expandindo o Mundo Bruxo para os Estados Unidos, ele foi muito bem recebido pela crítica e pelos fãs. No Rotten Tomatoes, o filme se encontra com 74% de aprovação “especializada”.
O mesmo não aconteceu com a sequência, Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald. Com uma campanha de marketing pouco eficiente e muito dependente de “Potter”, o filme já iniciou sua jornada nos cinemas com críticas e propaganda negativa na mídia. As controvérsias envolvendo o ator Johnny Depp, acusado de agressão doméstica, também não ajudaram, e o filme conta com 36% de aprovação no Rotten Tomatoes.
Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore chega com o fardo de tentar ressuscitar o entusiasmo com a franquia e garantir que os próximos filmes aconteçam. Mais controvérsias, dessa vez envolvendo a autora J.K. Rowling, devem suscitar certa má vontade dos espectadores e críticos; e os bastidores caóticos do filme, que foi filmado durante o pior período da pandemia no Reino Unido, estão todos contra o sucesso do longa. No entanto, contra tudo e todos, o filme promete agradar.
Ambientado quatro anos depois dos acontecimentos do filme anterior, em 1932, Os Segredos de Dumbledore conta como Alvo Dumbledore pretende deter Gerardo Grindelwald, que retorna ainda mais agressivamente a seus planos de supremacia e dominação. Ele recruta o protagonista Newt Scamander, que no último filme aceitou sua posição anti-Grindelwald depois da morte de Leta Lestrange, e os dois formam um time de excelentes bruxos (e um trouxa) em uma missão complexa e que requer muita fé.
A nova armada de Dumbledore tem a missão de confundir Grindelwald e seus acólitos, e conta com personagens já conhecidos pelo público e a novata Eulália Hicks, professora de Feitiços em Ilvermorny que é interpretada por Jessica Williams. A atriz é amiga pessoal de J.K. Rowling, que já havia revelado que ela seria mais importante no terceiro filme. Lally promete se tornar uma das personagens favoritas do fandom e faz a gente quase não perceber o sumiço de Tina Goldstein (Katherine Waterston), que, de acordo com Newt e Eulália, se tornou chefe do Departamento de Aurores do MACUSA, impedindo-a de participar da empreitada.
Newt Scamander, interpretado por Eddie Redmayne, surpreende muito. Em uma cena, vemos Alvo Dumbledore recebendo conselhos de seu ex-aluno, invertendo os valores e a dinâmica da relação que estamos acostumados a ver com Harry em “Potter”. Fica claro que não é só Newt quem se beneficia da sabedoria de Alvo, mas o contrário também.
Jude Law traz novamente um Alvo Dumbledore envolto em inseguranças e, por consequência, muito diferente do que já conhecemos. Aqui, o personagem deixa transparecer suas incertezas e suas dores, principalmente na relação com o irmão Aberforth (Richard Coyle), e sua humanidade lembra a vulnerabilidade no tom do velho homem que encontramos em King’s Cross no final de Harry Potter e as Relíquias da Morte.
Essa vulnerabilidade chama a atenção, principalmente por causa do surpreendente tom melancólico e delicado de algumas cenas. O silêncio preenchido pela trilha sonora calma e a atuação em hesitação lembram um pouco a cena do baile cortada de Os Crimes de Grindelwald (veja aqui), e ajudam na missão de revisitar o personagem com um olhar mais caridoso.
Mads Mikkelsen substitui Johnny Depp como Grindelwald, e que substituição! Saímos de uma caracterização bizarra e caricata e ganhamos um vilão em quem podemos pensar em acreditar. Ele é apaixonante. Precisamos desse aspecto da construção de Grindelwald para entendermos a complexidade dos seus planos neocolonizadores e de segregação, e ainda mais para compreendermos a relação profunda e complicada do personagem com Alvo Dumbledore.
Falando nos dois, Os Segredos de Dumbledore é um grande avanço para Hollywood na questão homoafetiva. É a primeira vez que um relacionamento amoroso entre dois homens é tratado de maneira íntima, verossímil e complexa em filmes blockbusters. Quem não ficou satisfeito com a frase “Éramos mais que irmãos”, com certeza, vai sair do filme com um sorriso de orelha a orelha. Estamos chateados com Joanne, mas esse aplauso a gente vai ter que dar.
O terceiro capítulo de “Animais Fantásticos” conta também com as atuações de Ezra Miller (Credence Barebone), Dan Fogler (Jacob Kowalski), Alison Sudol (Queenie Goldstein), William Nadylam (Yusuf Kama), Victoria Yeates (Bunty Broadacre) e Callum Turner (Teseu Scamander), além do elenco de apoio, que inclui a brasileira Maria Fernanda Cândido como a Ministra da Magia brasileira Vicência Santos.
Maria Fernanda Cândido entrega uma personagem poderosa e decidida, mais uma mulher forte do Mundo Bruxo, e agrada bastante os órfãos do prometido filme no Brasil. O roteiro passou por uma reescrita depois da recepção de Os Crimes de Grindelwald, e o cenário teve que ser trocado. Na première de Os Segredos de Dumbledore em Londres, a autora J.K. Rowling disse que a pandemia também foi um fator determinante na mudança. Ficamos nos questionando se poderemos ver o Brasil no próximo filme. Tomara!
Steve Kloves, roteirista de sete dos oito filmes de “Harry Potter”, está em “Animais Fantásticos” desde o primeiro filme, creditado como produtor e ajudando Rowling na escrita dos roteiros. Dessa vez, ele entra como co-roteirista na adaptação do roteiro original de Rowling, supostamente para amenizar a complexidade criticada em Os Crimes de Grindelwald. Porém, a tentativa de simplificar Os Segredos de Dumbledore, às vezes, é um tiro que sai pela culatra.
É como se, às vezes, o roteiro estivesse querendo mais responder críticas pontuais ao filme anterior do que realmente contar uma nova história. Ao invés de encontrar um equilíbrio, em algumas cenas, fica a impressão de que Kloves decidiu se apegar ao completo extremo da simplificação. A eleição para Chefe Supremo da Confederação Internacional dos Bruxos, por exemplo, tem suas nuances e regras pouco exploradas, apesar de a trama depender muito dela.
Outra coisa que não agrada é o retorno a diversos aspectos de “Harry Potter”, que soa como uma tentativa desesperada de dizer “Olha, isso aqui ainda é ‘Harry Potter’, lembra?”. A série “Animais Fantásticos” precisa urgentemente de uma identidade própria que não dependa do que já vimos em “Potter”. Só assim ela vai conseguir a posição de obra singular ao lado dos livros. A equipe do filme e a Warner Bros. precisam confiar mais nesse novo taco.
Isso se reflete na trilha sonora, que, apesar dos novos temas e motifs que avançam a história das notas e acordes criados para “Animais Fantásticos”, se apoia como nunca em temas reconhecíveis de John Williams. Enquanto no primeiro filme ouvimos “Hedwig’s Theme” uma ou duas vezes, em Os Segredos de Dumbledore temos peças inteiras dos filmes de “Harry Potter” reproduzidas. James Newton Howard está conseguindo deixar sua marca no Mundo Bruxo, mas esperamos que, no futuro, ele tenha mais espaço para criar.
Esses problemas, no entanto, talvez atormentem apenas os mais aficcionados. O desenvolvimento do Mundo Bruxo aparentemente deixou muita gente entediada em Os Crimes de Grindelwald, e talvez o retorno a “Potter” seja do agrado do público geral. Esperamos que com isso (e com a recuperação hipotética da bilheteria), possamos voltar a ter mais novidades e avanços nos próximos filmes.
O filme deixa a sensação de que o Mundo Bruxo foi salvo, tanto na história quanto no mundo real. É animador pensar que não, a história não foi encerrada e que os planos para os próximos filmes aparentam seguir firmes e fortes, e talvez, quem sabe, com a mesma liberdade de antes e sem pressão.
Fiquem ligados nas nossas redes sociais para mais cobertura sobre Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore, que chega aos cinemas brasileiros no dia 14 de abril! Acesse o site oficial do filme para ver a disponibilidade dos ingressos na sua região!