Jack e o Porquinho de Natal

Resenha: Jack e o Porquinho de Natal, de J.K. Rowling

Foto de um exemplar do livro, aberto sobre uma superfície vermelha. É possível vislumbrar uma ilustração dentro dele.
Escrito por Igor Moretto

Para onde vão as coisas que perdemos? A resposta para esta pergunta é encontrada por Jack, um garoto de 7 anos que adentra esse mundo mágico em busca de seu porquinho de pelúcia preferido que se perdeu, o Poto. Mas apesar da magia, são mundanos os problemas da Terra das Coisas Perdidas.

Em seu novo romance infantil, Jack e o Porquinho de Natal, J.K. Rowling consegue (de novo!) comentar questões basilares da nossa sociedade real de forma leve, divertida e emocionante, através de alegorias e críticas – algumas implícitas e outras muito explícitas, sem perder a magia e a criatividade.

Quando chegamos à Terra das Coisas Perdidas, damos de cara com uma complexa estrutura que mais parece àquela da sociedade feudal, apesar das Coisas serem muito bem colocadas como fruto do século XXI. A força militar e a simbologia das Coisas que representam a “lei”, são explicitamente da nossa era: canetas, botas, e um martelo de juíz. Problemas reais colocados como estrutura desse mundo paralelo, como a ausência de consciência de classe, a segregação entre as classes média e pobre e o anseio autocrático de certos líderes se encaixa muito bem em 2021.

Rowling fala explicitamente sobre o “valor simbólico” das Coisas, e como essa noção do “valor” se reflete na autoconsciência da personificação das Coisas e suas classes. Em certo momento, um par de brincos de diamantes não se conforma de estar no mesmo lugar que coisas como um óculos de plástico e um brinquedo de pelúcia. O lugar onde esse par de brincos vai acabar é hilário, e aprofunda ainda mais a crítica à classe pobre que reverencia as classes mais ricas por causa da ideologia meritocrática: eles viram satisfeitos faxineiros dos aristocratas.

O Rei não é da Terra das Coisas Perdidas, mas sim da cidade mais bonita e respeitada daquele lugar, Alguém-Se-Importa, onde as Coisas cujos donos creem ser de alguma ínfima valia ficam. De resto, sobram as cidades das Coisas descartáveis e a das Coisas esquecidas, em que residem o poder opressivo do Rei e de sua força policial, que atuam em função de um ser mais elevado que usa as Coisas sem valor para a construção de seu próprio corpo, o Perdedor.

Eu não vou mencionar mais pontos da história que possam estragar a leitura de alguém que esteja lendo a resenha mas ainda não leu o livro, mas preciso avisar que o que você está prestes a ler não é um livro qualquer: é uma crítica ao militarismo, ao punitivismo, ao sistema carcerário, ao sistema judiciário, e à lógica social do capitalismo. Você enxerga isso na adulteza, com a bagagem que a vida traz, mas as crianças também vão conseguir absorver aprendizados importantíssimos para o desenvolvimento crítico e social, assim como nós, potterheads velhos, fizemos anos atrás com Harry Potter.

Do mesmo jeito que lá, a mensagem que fica aqui é uma de tolerância, autoconhecimento, resiliência, e o mais importante: amor. Mas não o amor tacanho que responde tudo e que parece sair de um livro ruim, mas sim o amor como método para transformar a realidade, para conviver com seus iguais, destruir ditaduras e lutar contra anseios autocráticos violentos em busca da Utopia. É sobre o amor sobre o qual Martin Luther King Jr. falou. É o amor que permite resgatar sua Felicidade e sua Esperança da Terra das Coisas Perdidas.

O amor é a única força capaz de transformar um inimigo em um amigo. […] Aquele que é desprovido do poder do perdão é desprovido do poder do amor.

Martin Luther King Jr.

Sobre o autor

Igor Moretto

Igor já trabalhou como tradutor de conteúdo em diversos sites. Hoje, formado em Produção Audiovisual, procura alimentar o Animagos com novidades e é responsável pelo Podcast Animagos.